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Estamos chegando ao fim da série sobre o jornalismo alternativo na ditadura militar, com ênfase para O Pasquim. Muitas reflexões, denúncias dos horrores da ditadura e análises das resistências foram levantadas ao longo de 18 artigos-reportagens que compuseram esta série. Vamos, para finalizar este projeto, fazer um breve recorte do que trabalhamos ao longo dos últimos meses.
A década de 1960 foi de fato diferente. O mundo rebelou-se e muito das conquistas sociais que hoje usufruímos tiveram origem naqueles dez anos agitados. Movimentos como o dos direitos civis, o feminista e o hippie, originados naquele período, atualmente encontram reflexos na contemporaneidade. Ano ímpar no século XX, 1968, torna-se marco divisor da nova modernidade: doze meses de notáveis transformações sociais, comportamentais e sexuais. A França parou no mês de maio; Praga sofreu com a tirania soviética por conta de sua “ocidentalização”; os americanos enfrentam uma inesperada resistência no Vietnã; na Alemanha, o movimento estudantil toma as ruas… o mundo todo está em combustão.
No Brasil, a década é quase toda comandada pelos militares, que tomam o poder à força em 1º de abril de 1964. Nos primeiros anos de regime, mascaram o aparelho político nacional para dar a impressão de democracia. A classe artística nacional resiste e produz arte de contestação e de enfrentamento à censura. Com o passar dos anos e o agravamento dos inconformismos sociais, os militares reagem e trazem à tona o mais obscurantista ato de nossa história recente, o AI-5, instaurado após intermináveis protestos, cinematográficos enfrentamentos entre policiais e estudantes e inesquecíveis marchas coletivas como a Passeata Cem Mil.
Com a instalação da censura prévia, no começo de 1970, a imprensa convencional é pressionada, tendo que dá vez e voz a uma incipiente e talentosa imprensa alternativa, capitaneada pelos satiristas de O Pasquim. Os alternativos, por seu viés contestatório e ativista, especializaram-se em lutar contra a censura, contra o censor dentro de suas redações. E é justamente na fase mais aguda da censura que os alternativos disseminam-se pela classe média em todo o Brasil, não mais apenas restritos a Rio e São Paulo. A essa altura, a imprensa alternativa configurava-se em um oásis de combativos e inconformados.
Com o abrandamento da censura prévia e, logo depois, seu fim, além dos atos terroristas contra bancas de jornal, bem como pelo diletantismo empresarial-administrativo, os jornais alternativos conheceram seu período de declínio, sucumbindo, quase todos, no início dos anos 1980, com exceções feitas a O Pasquim, Resistência e Em Tempo.
Com a saída de cena da censura, os jornais da grande imprensa retomam seus papéis de protagonistas. Em um primeiro momento, ocorre um mimetismo por parte dos convencionais, que se apropriam de características exclusivas dos alternativos. Porém, é uma fase efêmera, pois surge com grande força, através do Projeto Folha, o novo modelo de fazer jornalismo, que abandona de vez as ideologias e baseia-se na ética empresarial e do jornalismo. O jornalismo boêmio e romântico dos anos de 1960 e 1970 cederia lugar a um jornalismo técnico e frio que começava a ditar as regras.
Contudo, O Pasquim foi um caso à parte. Maior fenômeno editorial da história do jornalismo brasileiro, o semanário foi o protagonista da resistência ao regime militar. Apontado como precursor da imprensa alternativa no país, o jornal em pouco tempo conseguiu conquistar um público-leitor significativo para os padrões alternativos, chegando a rivalizar em tiragem e exemplares vendidos com jornalões da grande imprensa. Com todo esse sucesso, não demoraria a incomodar os militares.
Através de uma linguagem inovadora, debochada, cínica e carregada de subentendidos, o jornal foi o que mais incomodou a ditadura, que inicialmente instaurou a censura prévia no país, em 1970, com a finalidade exclusiva de censurar O Pasquim. O jornal enfrentaria a censura prévia até 1975. Esquivava-se dela com podia, fazendo malabarismos intermináveis para escapar dos cortes do censor. O regime, não satisfeito com a censura prévia imposta, prende quase toda a redação do jornal em novembro de 1970, na tentativa de acabá-lo. Não deu certo. Um “rush” de solidariedade se forma em prol d´O Pasquim. Artistas, intelectuais e jornalistas colaboram com o jornal nos dois meses em que seus principais jornalistas estavam detidos.
Mas foi em matéria de inovação que O Pasquim foi revolucionário. O jornal produziu um humor social engajado, marcado por críticas aos costumes da classe média moralista e hipócrita. Essa crítica de costumes pasquiniana tem muito do contexto cultural que o mundo vivia na época, com influência marcante da contracultura que se espalhava pelo planeta. Outra ação inovadora do jornal foi que, no campo das artes gráficas, o desenho e as charges pasquinianas tinham a mesma ou até mais importância que o texto na configuração da página. No mais, com um estilo de escrever que muito se aproximava da oralidade, o semanário carioca produziu uma verdadeira revolução na linguagem do jornalismo brasileiro, tirando-lhe o terno e a gravata. As entrevistas eram veiculadas sem que fossem revisadas e colocadas em linguagem formal, uma inovação que surgiu por acaso desde o primeiro número.
Atualmente, muito do que se encontra no jornalismo e na publicidade brasileiros são influências, diretas ou indiretas, do estilo pasquiniano. As entrevistas das grandes revistas semanais de circulação nacional são clara influência d´O Pasquim. Podemos dizer igualmente que a linguagem simples, direta, sem hermetismo do jornalismo atual também é uma influência pasquiniana. Ademais, muitas campanhas publicitárias que hoje se utilizam de uma linguagem “oralizada” são influenciadas pelo semanário de Ipanema. Com todas essas referências, tem-se a certeza que O Pasquim marcou uma época do jornalismo brasileiro e entrou definitivamente para a história do nosso jornalismo como um veículo à frente do seu tempo.
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Historicamente no Brasil, o jornalismo convencional esteve atrelado aos interesses dos grupos dominantes. No entanto, ao longo de toda essa marcha histórica houve dissidências louváveis em relação ao modelo hegemônico de fazer jornalismo. Desde os jornais alternativos antiescravistas no século XIX, passando pelos jornais anarquistas do início do século XX, atravessando toda a geração de jornais dos anos 1960 e 1970 que lutaram contra a ditadura civil-militar, os quais abordamos profundamente ao longo da série, e culminando hoje com muitos jornais e revistas independentes Brasil afora. O que todas estas históricas ondas jornalísticas contra-hegemônicas têm em comum? Ora, todas acreditaram e acreditam que o jornalismo tem um papel importante de denúncia das desigualdades estruturais (sejam estas socioeconômicas, culturais, políticas, étnicas/raciais etc.) e, consequentemente, de transformação destas realidades.
É relevante sublinhar: não há imparcialidade no jornalismo, esta é uma mentira mitificadora que grandes veículos do jornalismo empresarial querem fazer crer. O jornalismo precisa escolher um lado. Esta é, de fato, a principal função social do jornalismo: combater e denunciar desigualdades, e na mesma medida propor alternativas para um mundo plural, justo e igualitário.
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A série O jornalismo alternativo na ditadura militar é publicada sistematicamente no #siteberro.
revistaberro@revistaberro.com
Clique nos links abaixo para acessar os textos anteriores:
I. O contexto sócio-histórico do nascedouro da imprensa alternativa no Brasil
II. A revolução dos “bichos-grilos”: o nascimento da contracultura
III. O movimento dos direitos civis: as lutas feministas e negras
IV. Sexo, drogas e rock’n’roll: o movimento hippie
VI. 1968: o ano da rebelião mundial estudantil
VII. O AI-5 e a resistência da imprensa alternativa
VIII. Os jornais alternativos na vanguarda
IX. A estratégia dos alternativos e o contra-ataque da censura
X. Os jornais combatentes: os casos de Opinião, Movimento e Versus
XI. O Pasquim como protagonista da resistência
XII. Da tragédia à comédia: a busca pelo humor social
XIII. A crítica dos costumes e a contracultura pasquiniana
XIV. A revolução jornalística “pasquineira”
XV. A redação entre amizades: a construção coletiva
XVI. Os inesquecíveis “pasquineiros”
XVII. Da redação à prisão: uma história de resistência e pelejas
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