O contexto sócio-histórico do nascedouro da imprensa alternativa no Brasil



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(Ilustração: Levi Noli)

Não há como pensar a atuação vanguardista da imprensa alternativa no Brasil durante a época da ditadura militar sem contextualizá-la social e historicamente. Não há unanimidade entre as pessoas que pesquisam sobre a imprensa alternativa no que diz respeito à sua origem no Brasil.

Para Bernardo Kucinski, em Jornalistas e revolucionários: nos tempos da imprensa alternativa, ela surge com Pif-Paf, de Millôr Fernandes, em maio de 1964. Já para Maria Aparecido de Aquino, em Censura, Imprensa, Estado Autoritário (1968-1978): o exercício do cotidiano da dominação e da resistência, ela começa em junho de 1969, com a primeira edição de O Pasquim. Em que pese a divergência, o ponto convergente é que o nascedouro da imprensa alternativa deu-se nos anos 1960. 

Certamente, a década entre 1961 e 1970 é, senão a mais importante, a mais agitada cultural, comportamental e politicamente do século XX. Entre os acontecimentos que sacudiram o mundo naqueles dez anos de frenética agitação, a Guerra Fria a todo vapor, com disputas geopolíticas e espaciais entre as duas superpotências, Estados Unidos da América (EUA) e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS); os EUA em mais uma guerra, esta, por sua vez, real e concreta, a do Vietnã; a reforma política e de comportamento em Praga, duramente freada pelos soviéticos; o maio francês; os movimentos estudantis protestando em todo os cantos, não importa se no Rio de Janeiro, em Tóquio, ou em Berlim; o místico Festival de Woodstock;  e os muitos movimentos advindos com a popularização da contracultura entre a nova esquerda e a juventude. 

No Brasil, a década se inicia com a renúncia de Jânio Quadros e em seu posto assume em 7 de setembro de 1961 o populista de esquerda João Goulart, que enfrentou desde o início forte resistência dos militares. Goulart mantinha estreitos laços com os soviéticos, com a Cuba de Fidel e com a China de Mao. No meio político conservador, comentava-se que em pouco tempo o Brasil se vincularia ideologicamente ao socialismo. Os estadunidenses, temendo que o esquerdismo se alastrasse pela América Latina através do exemplo brasileiro, maior país latino-americano, agiu às sombras dando apoio incondicional às Forças Armadas para que esta, ávida por poder e inconformada com os rumos que o País estava adotando, comandasse o golpe que viria à tona em 31 de março de 1964

Após a defenestração de “Jango” da Presidência, “é preciso que se caracterize, no regime militar pós-64, a ausência de traço democrático. Dentro da variação de conceituações usadas para definir uma sociedade democrática, o regime político pós-64 não se enquadra em nenhuma delas”, sublinha Maria Aparecida de Aquino.

Contudo, nos quatro primeiros anos de governo os militares procuraram insistentemente não associar a palavra ditadura ao regime que ora chefiavam. Com muita perspicácia, maquiaram o golpe, dando-lhe a alcunha de revolução. Tentou-se criar uma imagem de sociedade em harmonia, livre de conflitualidades. 

De acordo com Aquino, soube-se que o plano inicial dos envolvidos no golpe de 1964, como disseram alguns jornais da imprensa empresarial e militares pertencentes ao grupo da “Sorbonne”, seguidores do liberalismo de John Locke, era uma interrupção temporária da institucionalidade para que depois, “abaixada a poeira”, houvesse uma retomada da democracia.

No entanto, após assumirem o poder, dando razão às teses do pensador italiano Nicolau Maquiavel – que teorizou acerca do fascínio que o poder desperta –, os militares da “linha-dura” e os setores civis que não se desgrudam dos poderios promovem a continuidade do golpe.

Dessa forma, de 1964 em diante a situação de liberdade democrática no país, ano após ano, tenderia a piorar. Após um ano muito conturbado, com diversas manifestações estudantis, morte de estudantes e civis em confrontos com a polícia, revolta da sociedade civil e de parte da classe política com o governo em voga, em 13 de dezembro de 1968, sexta-feira, o presidente Costa e Silva decretava o “golpe dentro do golpe”, o nefasto Ato Institucional nº 5, AI-5 (nos próximos textos da série, traremos um artigo específico sobre o assunto).  

Após o AI-5, a década acaba de uma forma trágica para o Brasil. Após um intenso e agitado 1968, os anos que poriam fim à década seriam marcados também por um gradual recrudescimento do conservadorismo em escala universal.

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A série O jornalismo alternativo na ditadura militar é publicada semanalmente no #siteberro.


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