Os jornais combatentes: os casos de Opinião, Movimento e Versus



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(Ilustração: Levi Noli/Revista Berro)

É de grande relevância salientar a bravura e a coragem de alguns jornais alternativos naquele período sombrio da história do nosso país. Como não poderia deixar de ser, pelo seu destemor, pelo seu desassombro, pela sua linha editorial firme e combativa alguns deles merecem destaque.

O mais influente jornal de toda a imprensa alternativa dos anos de 1970, nas palavras de Bernardo Kucinski, em Jornalistas e revolucionários: nos tempos da imprensa alternativa,  o semanário Opinião nasceu no apogeu da ditadura militar – e de sua fase mais severa de repressão –, em outubro de 1972. O alternativo foi criado por egressos de Veja, sob a liderança de Raimundo Pereira, e financiado por Fernando Gasparian, empresário do setor têxtil, ligado a intelectuais e políticos da esquerda nacionalista.

Kucinski diz que “Opinião não era um jornal marxista; apenas continha a visão marxista na medida das contribuições individuais dos colaboradores. Pela sua alta qualidade editorial, Opinião comandou o respeito das elites em geral, inclusive dos conservadores, que o viram inicialmente não como manifestação de imprensa alternativa no sentido de algo precário e radical, mas, ao contrário, como uma proposta de jornalismo moderno e sério, um produto superior do jornalismo brasileiro convencional”.

Opinião sofreu censura desde seu oitavo número. Na edição 230, em abril de 1977, após cinco anos, o semanário fechava suas portas. Entre as causas motivadoras para o seu fim se destacava principalmente as suas infindáveis divergências intestinas. Assim como Movimento, o semanário de Raimundo Pereira findaria não pela repressão, mas por divergência internas. Contudo, fez história. A historiadora Maria Aparecido de Aquino, em Censura, Imprensa, Estado Autoritário (1968-1978): o exercício do cotidiano da dominação e da resistência : O Estado de São Paulo e Movimento, o considera, juntamente com O Pasquim e Movimento, o maior exemplo da imprensa alternativa dos anos de 1970.

Nascido de uma dissidência de Opinião, em 7 de julho de 1975, Movimento conviveu com a censura prévia desde o seu lançamento até o último dia de censura, em 5 de junho de 1978. O semanário preocupava-se “em descrever as condições de vida das massas, apresentar a cena brasileira, a gente brasileira”, descreve Aquino. Dessa forma, “problemáticas que atingem minorias discriminadas (sexuais, raciais, religiosas) não encontram expressão em Movimento, francamente preocupado com a exploração de largas parcelas da população”, continua a autora.  

Movimento inovou na maneira de fazer jornalismo, na medida em que “suas reportagens trazem à tona como sujeitos os anônimos perdidos na multidão, representou uma tentativa de emergência de muitas falas caladas, entre outros elementos, pela própria concepção que a grande imprensa impõe ao público”, salienta a autora. O jornal defendia uma maior participação da sociedade na geração, benefício e distribuição da informação, defende Aquino.

No final de 1976, após a chacina no comitê central do PCdoB na Lapa, Movimento “tornou-se um quase partido, formulando e implementando políticas tanto no plano institucional como nas bases de ativistas”, lembra Kucinski. Pouco tempo depois, em abril de 1977, houve um grande “racha” em Movimento, que deu origem ao Em Tempo. Esse racha, defende o autor, “foi também um marco da reorganização das esquerdas brasileiras”. Como dito anteriormente, assim como Opinião, Movimento encerrou-se por constantes disputas internas, onde “pesou a ausência de valores democráticos nas relações cotidianas, por sua vez oriunda de uma supervalorização da ideologia, em detrimento do comportamento – e, nessa ideologia, da ação revolucionária em detrimento da relação democrática”, comenta Kucinski. Em 23 de outubro de 1981, em seu último número, o semanário veio com uma edição especial na qual explicava as razões de seu fechamento, bem como apresentava uma retrospectiva do que tinha sido o jornal durante os seis anos e meio de existência. 

Em outubro de 1975, sob criação do jornalista Marcos Faerman, nascia um jornal bimestral, “umas das mais radicais manifestações de comunicação alternativa, (que) foi ao mesmo tempo uma alternativa de linguagem, de organização da produção jornalística e de proposta cultural”, ressalta Kucinski: Versus. Segundo o autor, o alternativo fugia da reportagem factual clássica e fazia uso de uma narrativa mítica, diferenciada.

“No seu apogeu, entre julho e novembro de 1977 chegou a vender mais de 35 mil exemplares por edição, graças, sobretudo, à originalidade e beleza de cada edição”, detalha Kucinski. Tinha como temática maior um olhar sobre a América Latina, que naqueles anos vivia quase que toda sob o autoritarismo de governos militares. Sendo assim, seu próprio criador o considerava uma continuação da Crisis, uma revista alternativa argentina, de Eduardo Galeano, e do Marcha, do Uruguai.

Em 1978, há um racha em Versus e o jornal passa a ter um caráter partidário, do Partido Socialista dos Trabalhadores (PST). Um ano depois, em outubro de 1979, a edição de número 34 é sua última. “Versus morreu para tornar-se um novo mito: o do assassinato cultural”, finaliza Kucinski.

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A série O jornalismo alternativo na ditadura militar é publicada sistematicamente no #siteberro.

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Clique nos links abaixo para acessar os textos anteriores:

I. O contexto sócio-histórico do nascedouro da imprensa alternativa no Brasil

II. A revolução dos “bichos-grilos”: o nascimento da contracultura

III. O movimento dos direitos civis: as lutas feministas e negras

IV. Sexo, drogas e rock’n’roll: o movimento hippie 

V. Arte corajosa nos trópicos

VI. 1968: o ano da rebelião mundial estudantil

VII. O AI-5 e a resistência da imprensa alternativa

VIII. Os jornais alternativos na vanguarda

IX. A estratégia dos alternativos e o contra-ataque da censura


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