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Bento torcia a barba ensopada de sangue e via os respingos tingindo seu tênis de vermelho. Com a cabeça encharcada, sentia a água lhe escorrendo pelas costas enquanto pensava uma maneira de se aquecer para continuar a noite. Pegou os guardanapos da mão de Maya e secou como pôde os cabelos e pelos. Levantou o rosto e encarou Caetano, sorriu.
— Agora está melhor. – disse Caetano enquanto virava o rosto do amigo de um lado para o outro, depois virou-se para o segurança e perguntou – Agora podemos entrar?
— Vê se não vai me arrumar confusão, hein?
— Fique tranquilo Hugo, já te falei que somos da paz. – respondeu Caetano ao segurança enquanto passava pela porta – Da paz e do amor! – gritou descendo as escadas.
O bar funcionava no porão de uma fábrica desativada na zona central. Com mesas de sinuca, um pequeno palco para apresentações e cerveja barata e gelada; atraía tudo quanto é tipo de pessoas sórdidas, inclusive estudantes e artistas. Última opção disponível, com certeza de um último trago, antes da volta para casa. Independentemente de onde a noite começasse, era ali que terminava.
Caetano falava aos berros com Maya sobre as garotas em cima do palco. Um rock melódico e suicida que deixava a noite mais propícia ao erro. Aquela sensação de tempo perdido que sentimos quando pensamos nas possibilidades que não temos e em nossa cama quentinha nos esperando do outro lado da cidade. Contava sobre Letícia, ex-integrante da banda e da vida de Bento. Dos tempos que ainda assistiam aulas na faculdade de arquitetura e catavam as moedas para pagar a conta.
— Falando no diabo…
Maya virou-se para onde Bento olhava e ficou cara a cara com uma mulher alta, com cabelos castanhos, presos no alto da cabeça e alguns dreadlocks escorrendo pelos ombros; que sorriu ao ver sua cara de espanto e não disfarçou o prazer de encontrar o ex-namorado sozinho e maltrapilho.
— O que aconteceu com você?
— Oi Letícia. – cumprimentou Bento contrariado – Eu estava no teatro e…
— E aí Caetano, tudo bem, querido? – interrompeu ela cumprimentando o amigo, depois virou-se para Bento e continuou – Parece que tacaram fogo na sua sobrancelha e tentaram apagar com um pedaço de pau!
Todos riam, inclusive Bento que já se conformara com o papel de palhaço toda vez que encontrava com sua ex-namorada. Ela pegou a cerveja da mão dele e deu um trago, virou-se para Maya e continuou.
— Já reparou como ele é gentil? – fez um afago no rosto de Bento.
— Gentil? – perguntou Maya incrédula – Esse cara é um maluco!
— Ah, mas isso é só quando ele está bêbado.
— Mas ele vive bêbado!
Letícia sorriu, devolveu a cerveja ao Bento e saiu rebolando em direção ao fundo do bar.
A banda havia acabado a apresentação há uma hora e os três discutiam se ficariam mais ou seguiriam para casa de Caetano. Bento estava cansado e teria que trabalhar no dia seguinte, optou por comprar mais cervejas e beber no caminho de volta. Maya queria esperar mais um pouco para saber se o atendente iria ter coragem para convidá-la a ir embora com ele. Enquanto não decidiam, Caetano aproveitou para pedir mais cervejas ao rapaz do bar que, ao entregar-lhe, lançou uma piscadinha para Maya. Bento levantou-se e foi ao banheiro.
Antes de chegar à porta, já no fundo do salão, Bento sentiu um líquido gelado escorrendo pelas costas. Eriçou o corpo e virou-se pra ver o que era. Um desconhecido segurava um copo de uísque vazio e lhe encarava com cara de morte.
— Que porra é essa, seu filho da puta?
— Vai tomar no cu! – gritou o desconhecido.
Bento partiu pra cima com socos e pontapé, mas, por falta de sorte ou perícia, não desviou do golpe do rival que vinha recheado com o copo que espatifou em sua testa abrindo um rasgo no supercílio direito. Tentou o revide, mas dois brutamontes já o seguravam pelos braços. Ficou ali, com o sangue lhe tapando a visão enquanto o outro fugia rodeado de amigos. Sem entender o que lhe acontecera, pensou em sua cama enquanto sentia a raiva esvaindo do seu corpo. Maya veio a seu encontro e quis levá-lo para o banheiro, mas o segurança chegou e os botou pra fora do bar.
Caetano perguntava ao amigo o que acontecera enquanto jogava água em sua testa. Bento balançava a cabeça enquanto torcia a barba ensopada de sangue. Maya contou que o cara estava com Letícia, mas não a viu depois da confusão. Pegou uma aspirina na bolsa e entregou ao amigo já prevendo a dor que teria que encarar. Bento sentiu frio quando a água gelada lhe escorreu pelas costas.
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Este conto é o primeiro da série “Berros, tragos e aspirinas”, de Arthur Yuka, que será publicada em episódios semanais às segundas-feiras.
Eita maninho! Que orgulho de ti! Mandou bem demais, já tô ansiosa pelo próximo!
Boa sensibilidade no diálogo.
Parabéns irmão.