A última ceia



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(Ilustração: Lara Albuquerque)

Letícia parou o carro do outro lado da rua e esperou por Bento enquanto ignorava suas ligações. Chovia forte e, vendo que ela não atenderia a ligação, não lhe restou outra alternativa além de correr até o carro. Quando foi abrir a porta ela arrancou. Ele travou, mas recobrou os movimentos quando o carro parou novamente. Correu até lá e outra vez ela partiu. Já encharcado ele apenas olhou e caminhou em direção ao prédio. Ela engatou a ré e parou com o carro ao lado dele.

— Entra! – disse enquanto sorria.

Ele entrou enquanto ela gargalhava.

Chegaram ao Rancho, um restaurante na saída da cidade, e se aconchegaram em uma mesa do salão adjacente. Uma decoração rústica e aconchegante que lembrava a fazenda do pai de Letícia. Ficaram próximos à lareira e o garçom trouxe uma toalha e um cobertor para que Bento pudesse secar-se e se proteger do frio. Seu blazer de veludo, já puído e com uma mancha de tinta de caneta em um dos bolsos, estava encharcado. E o garçom ofereceu para colocá-lo para secar atrás do forno.

Bento adorava aquele lugar. O clima de fazenda que lembrava os tempos de menino no interior de Minas Gerais, as rodas de moda de viola que aconteciam no segundo sábado de cada mês, as pessoas que trabalhavam ali e o faziam se sentir à vontade todas as vezes que esteve lá, as bebidas gratuitas, a comida mineira, os cavalos, o lago com peixes, o jardim, o pomar, as lembranças que tornaram aquele lugar tão especial, como a festa de formatura da prima de Letícia, o primeiro natal juntos e a conquista do pentacampeonato em 2002.

Ela pediu Camarão das Vertentes e ele Cordeiro ao molho de Malbec. Enquanto esperavam, o garçom serviu vinho. Mostrou a garrafa ao Bento, mas Letícia interveio e pediu para que parasse de frescura, que deixasse a garrafa que ela mesma se serviria e já trouxesse outra. Tomou a primeira taça de uma só vez, ainda segurando a garrafa. Serviu mais uma taça e deixou para que o namorado se servisse.

— Meu bem, o que está acontecendo?

— Não está acontecendo nada. – respondeu enquanto segurava a taça em frente ao rosto – Você lembra a primeira vez que viemos aqui?

— E como poderia esquecer? – sorriu ele.

— Já vivemos tanta coisa juntos, né Bento?

— Sim. – respondeu enquanto pensava onde ela queria chegar – Daria para escrever um livro!

— Ou um conto!

Bento entendeu que não estava bem. Sacou que havia acontecido algo e preferiu ganhar tempo antes de entrarem no assunto. Comentou amenidades sobre o tempo frio e lembrou de um assunto novo que surgiu no trabalho.

— Trabalho agora não, Bento. Por favor!

Ele nunca falava de trabalho. Sempre optava por outros assuntos. Primeiro porque não gostava do emprego que tinha e segundo por sua namorada sempre o diminuir pelo emprego que tinha. Comentou que a mãe dela ligou perguntando quando ele iria visitá-la e percebeu o descontentamento dela quando ouviu. Serviu-se de outra taça de vinho e fez sinal para que o garçom abrisse a segunda.

— Você está diferente amor. O que aconteceu na sua viagem que voltou desse jeito?

— Eu que pergunto; o que aconteceu durante a minha viagem para que eu ficasse desse jeito, Bento?

Ele a olhou surpreso pela pergunta e ela desculpou-se. Disse que não era nada demais e contou alguns acontecimentos da viagem que ele ainda não sabia. A comida chegou e ela falava com alegria da viagem enquanto comiam. Contou dos passeios, dos bares, da emoção de ver a final da taça em um estádio estrangeiro, do anão pelado que bateu no segurança da boate e de mais uma infinidade de acontecimentos que permeou o passeio que eles já haviam terminado de comer e ela ainda estava contanto.

— Você deveria fazer uma viagem dessas, Bento. – disse enquanto fazia sinal para o garçom trazer a quarta garrafa.

— É, deveria. – respondeu com um sorriso sarcástico enquanto pensava no seu salário.

Letícia serviu-se de mais uma taça e novamente bebeu de um só trago. E enquanto anunciava que iria ao banheiro do pomar, secou o canto da boca com as costas da mão. Ele disfarçou o espanto com o anúncio e pensou que as coisas deveriam estar bem, afinal de contas, do jeito que as coisas iam, não esperava transar naquela noite.

Os banheiros do pomar eram individuais e os dois sempre transavam ali no início de namoro e nas festas de família. Quando entrou foi puxado pela camisa e ganhou um tapa no meio da cara. “Eu quero que você me foda! Tá entendido?” Bento fez que sim com a cabeça enquanto olhava para a ponta do dedo em riste da namorada. Ela estava de costas para a pia e apoiando com as mãos pulou em cima dela. Levantou a saia e forçou a cabeça de Bento para que a chupasse. Ele ajoelhou-se no chão e esticou o pescoço para alcançá-la. Lambia com gosto e quanto mais se empenhava, mais ela se contorcia. Apoiada com as mãos, suspendeu a bunda no ar e com as coxas trazia a cabeça de Bento cada vez mais pra dentro, ele lhe mordeu o cu e enfiou a ponta da língua. Ficaram nesse lesco lesco até ela quase gozar. Empurrou o namorado com o pé e pulou da pia, virou-se de costas para ele e levantou a saia na altura da cintura. Olhou por cima do ombro enquanto o via descer as calças. Ela apoiada na pia, com a cabeça jogada para trás, rebolava no pau do namorado que a encarava pelo espelho. Cada vez mais forte até os dois gozarem. Bento encostou-se na parede oposta e descansou. Ela ajeitou o cabelo, retocou o batom e virou-se para o namorado. Meteu-lhe um tapão na cara ainda mais forte que o primeiro, na mesma bochecha.

— Você nunca mais vai me comer, seu filho da puta! – saiu e deixou a porta aberta.

Bento puxou a porta, as calças e lavou o rosto. Encarou-se no espelho e lembrou de Marta, amiga de infância de Letícia. Voltou à mesa, terminou a garrafa de vinho, pediu mais uma e despediu-se de todos os garçons que conhecera nesses sete anos que frequentava o restaurante do sogro. Ganhou a rua e já não chovia.

Caminhou duas horas e quarenta minutos para chegar em casa.

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Este conto é o quarto da série “Berros, tragos e aspirinas”, de Arthur Yuka, que está sendo publicada em episódios semanais, às segundas-feiras.

Leia o primeiro: Barba ensopada de sangue

Leia o segundo: Sem culpa

Leia o terceiro: Até que provem o contrário


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