Sem culpa



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(Ilustração: Lara Albuquerque)

Maya brincava solta no meio da pista de dança improvisada no térreo do prédio de artes. Sua plenitude e leveza eram contagiantes e admirada por todos, desinibidos e acanhados sentiam-se acalorados com a alegria daquela mulher. Era o sexto ano do Festival de Encerramento que os alunos organizavam para comemorar os recém-formados e o término do ano letivo. Onde aproveitavam a desculpa para desculpar-se de todos os medos.

Caetano não frequentava a faculdade e nunca havia ido ao festival. Ficava perdido entre uma apresentação e outra e uma performance e a próxima. Cumpria bem o papel do curioso descompromissado e sentia-se confortável com um cantinho que escolhera junto à porta de acesso ao pátio. Dali possuía uma boa visão da pista, da fogueira do lado de fora e ficava próximo ao bar. Foi convidado por um amigo que se mantinha ocupado no vai e vem de uma garota para outra, normalmente sem sucesso. Percebeu quando Maya saíra da pista em direção ao pátio e o amigo tomara a direção oposta, encontraram-se em sua frente. 

Uma banda começara a tocar no palco e o barulho não permitia uma conversa tranquila. Maya tentava compreender os berros do amigo ao mesmo tempo que procurava uma oportunidade para interromper a conversa. Distraía-se com as pessoas ao redor até encontrar os olhos de Caetano, onde dispensou mais atenção que pretendia. Percebendo o momento, seu amigo o chamou para apresentar-lhes, e em uma tentativa desesperada de manter a conversa, a perdeu.

Acontecem encontros que são como dilatações do tempo e da memória. Caetano encantou-se com Maya no momento que a viu dançando, enquanto para ela, ele representava o homem que sempre se imaginou ao lado. A maneira que ele sorria, falava e bebia a cerveja, era para ela a encarnação de seus momentos de devaneio quando imaginava a pessoa amada. Não demorou muito para se beijarem e dançarem ao som da música preferida dos dois. Assim como não demorou para que ela percebesse que estava melhor só. Que não precisava concentrar toda sua energia no outro, mas que concentrando em si, poderia dividi-la com quem desejasse. E desejou muitas pessoas naquela festa, inclusive um rapaz que usava saia e bebia a cerveja inteira da lata em um gole só esbanjando-se para os amigos.

Caetano ficou confuso quando o viu mijando em pé no banheiro. Os cabelos grandes e sedosos, o corpo magro e a saia até os joelhos lhe pareceram estranhos à primeira vista. Achou que a garota errara a porta, mas entendeu que não quando percebeu que ela não mijaria em pé, ou mijaria? De qualquer maneira, só entendeu a situação quando, ao sair do banheiro, viu Maya o beijando. Sorriu para ela e seguiu em direção à fogueira. Sentou ao lado de uma garota e a espantou com o primeiro oi. Sentiu-se só.

Depois de algum tempo Maya deixou a pista de dança e seguiu em direção ao pátio. Viu Caetano sozinho e sentou-se ao seu lado. Olhou-o nos olhos e fez um afago em seus cabelos. Sorriu.

— Você está bem? – ele perguntou.

— Estou joia! – respondeu enquanto acendia um cigarro.

— Poderia ao menos ter me avisado que não queria mais ficar.

— E quem lhe disse que eu não queria? – respondeu enquanto soprava a fumaça e o encarava.

— Não disse, mas saiu beijando qualquer um.

Maya o encarou e percebeu nele o desconforto de não a entender.

— E você, está bem?

— Com um pouco de dor de cabeça. – mentiu ele.

Ela o olhou com afeto, mas distanciamento. Depois voltou-se para a fogueira enquanto pensava na sua responsabilidade por tê-lo deixado daquela maneira. Gostou de Caetano de cara, mas não estava com a mínima intenção de entrar em um relacionamento e, como não estava em nenhum, relacionava-se com quem quisesse e tampouco sentia-se responsável.

— Toma uma aspirina que passa. – levantou e saiu. 

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Este conto é o segundo da série “Berros, tragos e aspirinas”, de Arthur Yuka, que está sendo publicada em episódios semanais, às segundas-feiras. 

Leia o primeiro: Barba ensopada de sangue


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