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Ainda refletindo sobre o contexto social no qual estavam inseridos os jornais alternativos de combate à ditadura militar no Brasil, vamos falar sobre os movimentos que fervilhavam mundialmente na época.
O feminismo explodiu naqueles anos de 1960, no bojo da contracultura. Antes do recente recrudescimento do movimento feminista que ora ocorre na terceira década do século XXI, não havia nenhuma outra época na história desse movimento em que as mulheres ganharam mais destaque e mais conquistas, tanto políticas, mas principalmente culturais e de comportamento, quanto nos anos de 1960.
De acordo com Mark Kurlansky, em 1968 – O ano que abalou o mundo, os artigos sobre comportamento publicados em jornais e revistas aludiam, em graus variados de franqueza, à ideia de que os jovens estavam praticando muito sexo. “Sexo era agora chamado de ‘amor livre’, porque juntamente com a pílula, o sexo parecia livre de consequências”. Em 1968, segundo o autor, a pílula anticoncepcional já superava todos os métodos de controle à natalidade e era algo comum nos campi universitários estadunidenses: “A mudança dos costumes sexuais não foi apenas americana. As moças do movimento estudantil mexicano de 1968 chocaram a sociedade mexicana carregando letreiros que diziam: ‘Virgindade dá câncer’. As manifestações de 1968, em Paris, começaram com uma exigência de dormitórios mistos”, sublinha Kurlansky.
Em termos representativos, o símbolo do movimento feminista foi, sem dúvida, a minissaia. “Nenhuma moda dos anos 60 durou tanto quanto a invenção da inglesa Mary Quant, que um dia resolveu encurtar as saias, deixando-as 7 cm acima dos joelhos”, diz Zuenir Ventura em 1968: O que fizemos de nós. A minissaia era a grande novidade da moda. Fato curioso é que as minissaias serviram até como tática de guerra. Foram usadas para “entreter” os soldados russos durante o episódio que ficou conhecido como a Primavera de Praga. “Em Bratislava, moças de minissaia aproximavam-se e, quando os rapazes russos que tripulavam os tanques, paravam para admirar suas coxas, os garotos chegavam e espatifavam seus faróis dianteiros até conseguir incendiar alguns tambores de gasolinas”, narra Kurlanksy.
Enfim, as correntes feministas do século XXI têm no movimento feminista dos anos 1960 uma grande referência política e estética.
As tensões entre as correntes do movimento negro: Black Panters x Martin Luther King
Concomitantemente ao movimento feminista, explodia nos Estados Unidos um movimento que foi base e parâmetro de todos os outros da contracultura, inclusive do feminista. Dessa forma, a década de 1960, principalmente em terras estadunidenses, foi marcada por uma intensa luta da população negra por mais direitos civis e sociais.
Durante esse período histórico, surgiram expressões e apologias à negritude que ganharam as ruas. Stokely Carmichael, um dos mais enérgicos organizadores do grupo pelos direitos civis criou o nome Panteras Negras, logo seguido pela expressão Black Power (Poder Negro). É interessante lembrar que, na língua inglesa, “negro” era uma palavra, até aqueles tempos, raramente usada para referir-se às pessoas negras, que eram designadas por “pretos”. No entanto, de acordo com Kurlansky, “‘preto’ tinha virado uma palavra pejorativa, aplicada àqueles que não defendiam a si mesmos”.
Mas, dentro do próprio movimento negro não havia unidade. Duas correntes conflitantes tentavam conquistar a sociedade média estadunidense. Foi um momento de grandes tensões e disputas dentro da comunidade negra, uma vez que havia o esforço coletivo para definir uma nova negritude. Segundo Mark Kurlansky, “os negros do norte eram diferentes dos negros do sul. Enquanto os adeptos em sua maioria sulistas de Martin Luther King estudavam Gandhi e sua campanha não-violenta contra os ingleses, Stokely Carmichael, que crescera na cidade de Nova York, passou a se interessar por rebeldes violentos, como os Mau Mau, que se insurgiram contra os ingleses no Quênia. O pessoal de King entoava: ‘Liberdade Agora!’ O pessoal de Carmichael entoava: ‘Poder Negro!’”.
Essa divisão, em muitas ocasiões, serviu mais para atrapalhar do que para ajudar o movimento na sua busca por mais direitos civis e igualdade de tratamento. Muitos dos grandes nomes da cultura negra eram constantemente atacados pelas correntes rivais. A pessoas negras que alcançavam sucesso pessoal ou profissional eram consideradas vendidas. O influente escritor negro e membro do Black Panther Party, Eldridge Cleaver, em Soul on Ice, não poupou nem mesmo o ícone do movimento, Martin Luther King: “A entrega de um prêmio Nobel a Martin Luther King e o exagero de sua imagem até se tornar um herói internacional testemunharam o fato histórico de que os únicos americanos negros que têm permissão para alcançar fama nacional ou internacional têm sido os bichinhos de estimação e lacaios da estrutura de poder”.
Nesta disputa entre as correntes, “novos heróis negros eram criados e antigos derrubados a cada dia”, ressalta Kurlansky. Um braço do movimento pelos direitos civis, os Panteras Negras que, de certa forma, assustaram a esquerda branca americana, estavam sempre em confronto com a polícia e, portanto, eram vistos muitas vezes como mártires. Kurlansky detalha que “enquanto a maioria dos brancos da Nova Esquerda vinha da confortável classe média, e a dos negros dos direitos civis, como Bob Moses e Martin Luther King, era bem-educada, os Panteras Negras eram, em sua maior parte, gente de rua, de bairros da pesada e muitas vezes com ficha de prisão”.
Na plataforma do Black Panther Party encontravam-se propostas radicais como dispensar todas a pessoas negras do serviço militar, soltar todas as pessoas negras da prisão e exigir que todos os futuros julgamentos de pessoas negras fossem realizados com um júri integrado apenas por pessoas negras. Não tiveram nenhuma destas suas reivindicações atendidas, mas, diferentemente da corrente de Luther King, ousavam e tinha bem mais coragem de enfrentar o status quo.
A corrente mais “pacífica” do movimento pelos direitos civis sofreu um duro golpe com a morte de seu principal líder, Martin Luther King, em 4 de abril de 1968. Mas, ao contrário do que se esperava, logo após o assassinato de King houve um período de recrudescimento da luta: “Quando se espalhou a notícia de que King fora assassinado por um prisioneiro branco que fugira, a violência se espalhou nas áreas negras de 120 cidades americanas e foram noticiados 40 motins”, afirma Kurlansky.
Em resumo, apesar das enormes divergências internas, o movimento pelos direitos civis foi base e exemplo para todos os outros movimentos de contestação que surgiram nos Estados Unidos e no mundo naqueles tempos. E continua sendo ainda hoje uma referência de reivindicação política e comportamental.
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Clique no link abaixo para acessar o texto anterior:
I. O contexto sócio-histórico do nascedouro da imprensa alternativa no Brasil
II. A revolução dos “bichos-grilos”: o nascimento da contracultura
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