Berrando Poesia – Wagner Cortês



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(Ilustração: Levi Noli/ Revista Berro)

Antefaces

escondeu-se pelo cuidado

seu rosto guardado metade 

cheiro descartável invade

a respiração de um sorriso largo

enclausurado pela farsa 

começou a chamar de riso

os olhos que viam o outro

 

Perceptível a olho nu

ao seu redor tudo era vivo

as formigas besouros escorpiões 

aranhas lacraias minhocas 

todos rastejadores de cotidiano 

habitantes de instantes

cada um no seu percurso 

 

tanta vida na miudeza 

 

envergonhou-se em ser pedra

quebrou-se ao meio 

e viu a beleza de dentro 

seu ser-tão vivo

 

 

Intransponível 

a estrada me olhou

com os olhos devoradores de passagem

pegadas de ontem enfileiradas

 seguiam seu curso sem volta

 

passagem é nome-cidade 

de habitantes nômades

somente as marcas 

permanecem 

riscadas em caules 

em baixo relevo chão 

fezes 

 

tudo fica pra ontem

 

 

Miragem sertão 

depois da janela

o sol beijava as coisas

filhote de pássaro chamava a mãe 

a macambira arranhava pedras

 

depois da janela

recriei a cena 

sertão tinha pernas 

de sariema 

andava na terra quente

comendo poeira de redemoinho

sertão tinha olhos 

de espinhos facheiro

 avoava da cor de concriz

no rastro da cascavel 

cantava repente 

e cuspia o veneno do peito

 

depois da janela 

sertão rezava 

de unha encardida 

com terço na mão 

ave maria na boca da noite 

 

depois da janela 

silêncio estiagem 

badalava o chocalho pouco

sertão chorava água doce

no sonho de um inverno pesado

 

 

Manifesto

ao mundo de gente 

eu grito:

ódio não é coisa boa

é desgraça guardada 

em garrafa de vidro

 

ao mundo de gente

eu digo:

rancor não é coisa boa

é cativeiro algoz

no corpo escondido

 

ao mundo de gente 

eu choro:

depressão não é coisa boa

é sangue alvacento

inodoro

 

ao mundo de gente 

eu sussurro:

escuta coisas boas

há chance para vida

escalar os muros

 

ao  mundo de gente 

eu trago oração:

sorria de dentro

escancare os dentes

da face do seu coração

 

 

Burocracia 

oh dia burocrático!

venho por meio deste ofício 

pedir-lhe com muito esmero 

que faça um sacrifício 

muito simples por sinal

 

estique a boca da segunda

para que as terças, quartas, quintas 

e sextas-feiras desprendam o riso

e façam a semana toda 

burocraRISAR

 

 

Suicídio poético 

hoje me deu vontade

de rasgar todos os poemas 

que talvez nem sejam poemas

que penei em escrevê-los 

 

hoje pensei em assassinar o poeta 

que talvez nem seja poeta 

mas penei em querer ser

nem que fosse em um instante 

 

hoje ocasionou desânimo 

um fracasso descomunal 

pessimismo estranho

quebrei o ego do meu lápis tolo 

 

hoje não me deu vontade de poeta 

não me deu vontade de rima 

não me deu vontade 

vontade nenhuma 

 

hoje me entrego 

ao suicídio das palavras 

morto nos versos 

quem sabe assim 

viro poesia 

 

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