Um pequeno olhar sobre a cidade



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(Ilustração: O Povo)

Bárbara Braz

Essa semana, umas das avenidas mais conturbadas da cidade foi acometida pela queda de um poste. Caos? Para alguns sim, principalmente para aqueles que dirigiam e não poderiam abandonar seus carros ali, e talvez isso sequer passasse em suas cabeças.

Pra mim? Foi um momento muito bonito,uma dose a mais de vida!

A via foi interditada, os carros tinham que pegar um outro caminho. Esse outro caminho, eu não quis arriscar. Desci de imediato do ônibus e me deparei com a via vazia.

Não tinha sequer um carro passando. Os transeuntes então, cansados das calçadas apertadas, ocupadas, irregulares, passaram a ocupá-la também.

O clima era propenso, final de tarde! Tempo bom, bonito de se ver, e de se viver.

A sensação de andar por uma via, que só passam carros o tempo inteiro sem cessar, é fora do comum. Há muito não me sentia tão livre em meio à cidade. Há muito mesmo! Não havia buzinas, não havia poluição, não havia tráfego, não havia pessoas doentes do mundo, havia apenas transeuntes em uma tarde aprazível. Por vezes, me deparei até com feições conhecidas, e ainda trocava sorrisos!

Não havia carros na via, podíamos andar livremente por ela! Que paz!

Foram apenas dez minutos de caminhada por aquela avenida sem carros, mas foi tempo suficiente para entender que muitos, muitos de nossos movimentos estão sendo cerceados, dando lugar ao automático, às paixões mortas de Deleuze.

Ir e vir – não podemos!

O lugar das pessoas está sendo roubado por coisas,carros,propagandas,vitrines. Como assim?

Uma cidade onde caminhar em paz vira sonho de dez minutos é algo ensurdecedor.
Sequer caminhar não podemos, o que nos é permitido então?

Se o mínimo do direito foi galgado para o campo do utópico, precisamos estar atentos. Atentos no sentido de não repetir, mesmo inconscientemente, práticas – que vão se tornando hábitos, reafirmando um modelo de cidade que é pautada apenas para mercadorias. A cidade do capital – nessa, nem o burguês, nem o proletário tem vez! Aos poucos está se esvaindo…

Sorrir por andar numa via interditada é algo que até agora ainda está martelando na minha cabeça. Mais intrigante ainda é saber que esse sorriso não é compreendido por muitos, para aqueles em que o automático infelizmente já tomou conta da vida.

Não conhecer o caminhar, não conhecer o afável e repentino encontrar-se , não conhecer a troca de afetos com rostos por ora conhecidos, outrora não. Não conhecer o sentir da brisa vespertina fora do ar-condicionado, fora do fumê do carro, ou ainda, fora de um ônibus lotado é morrer lentamente, como já dizia Neruda.

Viver a cidade, caminhar pela via ainda é possível.
Por mais que vire um movimento de poucos, não podemos permitir que esse contemplamento seja engulido por um sistema automático feito para coisas, e não para pessoas. A cidade dos homens, das mulheres, das crianças, dos anciãos, não pode se consolidar na cidade de fluxos de mercadorias, mas sim na cidade de/para/com seres humanos.

A caminhar pelas vias, vielas e veias da cidade dos homens!

Bárbara Braz é assistente social e vê muita beleza no sorriso de uma criança


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