Quais as cercas (ir)reais que nos prendem?



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Bárbara Braz

Tem horas que a vida embrulha tudo. Todos os desejos vêm à tona num curto, ínfimo espaço de tempo. Foge de nossas mãos, porque o que mora dentro não é palpável e, muitas vezes, para moldá-lo requer uma sabedoria subliminar. Subliminar, estranha, porque não é algo cotidiano, não fomos acostumados a fazer uma leitura holística, completa da vida. Fomos acostumados às cercas, ao cercear. Tudo se faz proibido e ilícito dentro de uma lógica capital, que nos maquiniza, nos transforma em objetos de consumo em massa.

Os sonhos, esses, ah, os sonhos são apenas sonhos. São para aquelas pessoas românticas, desatentas com a vida, para os desleixados. Sonho é coisa de novela, a realidade não é por aí não.

Essa é a chave para nossa infelicidade.

Muitas são as cercas e amarras que nos prendem todo dia, sem cessar. São duram e doem, e como já afirmava Sennet, colocam nossa subjetividade à deriva. Tornando-nos cada vez menores e mesquinhos, tornando-nos mais um na lei da selva, dos salve-se quem puder.

São as cercas que nos impedem de construir laços verdadeiros, são as cercas que nos impedem de sermos nós mesmos, do jeitinho que nós queremos ser, são as cercas que nos impedem de avançar. Seu objetivo maior é que não saiamos da nossa condição de estátua, de propriedade privada. Atrás da falsa promessa de segurança, nos imobilizamos.

No entanto, muitas vezes, essas cercas aparecem coloridas, divertidas, dignas de apreciação. São boas até! Boas não, funcionais, elas conferem àquelas nossas desculpas um tom autêntico. Sugerem veracidade às nossas mais completas procrastinações. A sociedade do capital exerce um tom fundamental nas amarras do mundo, no entanto, somos nós mesmos que construímos as bases sólidas das cercas nas nossas vidas. Enterramo-nas de tal forma que para removê-las seria necessário tanta força, que nos sentiríamos incapazes para o feito. A ponto de não querer enxergar mais o que está para além das privações do mundo, para além dessa lógica de opressão e banalidade da humanidade.

E, assim, continuamos, percorrendo nosso trajeto atrás das nossas cercas, reais e irreais, leves para nossas desculpas e duras para nossos sonhos. Achando utópicos e delirantes todos aqueles desejos que uma horam vieram à tona, e culpados por não conseguir seguir um ritmo de vida igual a todos os outros, toda a massa.

Saiamos das nossa culpas!
Desconstruamos dia após dia nossas amarras.
Sigamos.
Cercas, pra que te quero?

[…]Mas não se preocupe meu amigo
Com os horrores que eu lhe digo
Isso é somente uma canção
A vida realmente é diferente
Quer dizer
A vida é muito pior […]”
(Belchior/Apenas um rapaz latino-americano)

Bárbara Braz é assistente social e adora as crianças do Lagamar


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