Primavera



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(Pintura: Josep Cusachs)

Por Nagle Melo

Quebrar a rotina da semana de trabalho, chegar em casa e fazer aquele pão com ovo acompanhado por um café forte, lavar as louças, tirar as roupas do varal, interagir com os novos companheiros que a árvore ao lado oferece, olhar para cada canto da casa e pensar no que mudar, trocar de lugar, modificar, reinventar ou, apenas, contemplar, são simples ações que a revigoram. Ela, que há um mês chegava em sua nova moradia. Mas esta trajetória não foi nada fácil. Tornou-se necessário que desapegasse e tivesse coragem (não nesta mesma ordem; o leitor escolhe), jogasse fora o que já não lhe servisse mais, mudasse de posição subjetiva, terminasse um relacionamento e redescobrisse a mulher que nascia ali.

Toda mudança acarreta uma série de descobertas. E estas têm a capacidade de tornar qualquer ser humano melhor. Com Ela não foi diferente, passou a ganhar plantas e a gostar de cuidar delas; sua casa empoderou-se de uma energia antes nunca surgida, a energia de um lar, que batia na porta branca, que dava para a rua e para a árvore que a rua a presenteava.

Era a primeira vez que morava sozinha. E havia nisto algo de encantador e amedrontador também. Estar só e permanecer só são duas situações que requerem muito cuidado, atenção e amor. E Ela sabia disso e agora sentia também. Criou um, dentre inúmeros rituais para lidar consigo mesma: ligava o som e escolhia o álbum Transa, do Caetano, acendia incensos e velas pela casa, e sua imaginação e sentimentos se misturavam às fumaças daquilo que a fazia sentir-se leve. E dançava e se tocava e se amava. E todo o resto não importava, porque era o mundo dela que, naquele momento, precisava de toda a sua atenção.

Faltava apenas poucos dias para seu aniversário, mas Ela sentia que seu presente já havia ganhado: estar consigo mesma. Relia, neste momento, ‘A Insustentável Leveza do Ser’, onde o autor Milan Kundera divide com o enredo e os personagens a sua própria percepção do romance em si. Este ritual que mostrava a Ela a energia do feminino, fazia com que se sentisse um pouco mais tranquila, em relação a si mesma e em relação aos seus romances. Ela ainda não sabia, mas estava se preparando para dali a poucos dias, viver uma linda e intensa história de amor.

Enquanto isso, Ela desejava para esta primavera e para a vida, saúde, sabedoria, amor, autoconhecimento, alegria, independência, sessões de análise, happy hour, discussões de relações (afinal, sem elas o que seriam das relações?!), andanças, intensidade, viagens, descobertas, redescobertas, puxadas de orelha (para não perder o foco), infinitos banhos de mar, pra renovar e, principalmente, pessoas do bem por perto!

Nagle Melo é psicóloga, amante do ócio e escreve o que seu coração grita


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