Entre caminhos e chuvas



0 Comentários



(Pintura: “Um dia de chuva”/Cido Oliveira)

Bruno Pereira

Caminhar é o destino para novos encontros. Nada programado ou sonhado. Apenas o inesperado em cada curva. Deve-se caminhar sem se preocupar com a previsão do tempo. O sol clareia as ideias, a chuva nos lava a alma. Certa vez, daqui da janela de casa, observei o céu e tudo estava parado como um quadro na parede da sala. Tudo no seu devido lugar e nesse dia nem o vento deu as caras. Decidi caminhar pelo bairro, respirar o ar da praça e a sua lentidão. Passos lentos e o meu olhar vagaroso encontrava os destinos já conhecidos: a biblioteca pública, a farmácia, a banca de revistas e todas aquelas pessoas que, ao final de tudo, eram figurantes do cotidiano. Ah, eu ainda me surpreendo ao ver as pessoas sempre nos mesmos lugares, seguindo o ritmo da preguiça. E como acontece nas faxinas da diarista, onde todos os móveis ganham um novo lar dentro da casa ao final do dia, a imagem desenhada no céu tinha agora tons de cinza e uma infinita nuvem sem forma. Previsão do tempo: Chuva! E assim se deu. Como dizem no interior da minha avó: “lá se vem um toró d’água”. Em um curto tempo só estava eu no meio da praça, os lentos correram para as suas casas e outros entraram na igreja matriz. Deixei a chuva me lavar, me transbordar ao ponto de sermos um. Assim como na trindade: a costureira, a linha e a agulha. Fechei os meus olhos por poucos segundos. Ao abri-los me vi em outra pessoa, talvez uns 50 metros de distância. Seguia o meu ritual deixando a chuva fazer morada em seu corpo. Seus olhos estavam dormindo. Caminhei em sua direção com certo nervosismo. Afinal, eu me considerava o único perdido. Seus olhos acordaram e me olharam com espanto e compreendi, ela acreditava ser a única perdida. O encontro entre dois perdidos é festa no céu. Mas a alegria pouco durou. O dono da festa cessou a chuva e a água pela boca de lobo escoou. Antes de partir, a bela moça me olhou e confirmou que o tempo nos limitava, disse que nos veríamos somente nos dias chuvosos. Esse encontro mudou-me completamente. Antes da minha caminhada diária, como fazem com o horóscopo, consulto as previsões meteorológicas. Os dias tem sido de pleno sol, mas a fé do sertanejo me assalta: “pedindo pra chuva cair sem parar”.

Bruno Pereira é Engenheiro Ambiental, apaixonado pela obra de Dostoiévski e pelos poemas de Florbela Espanca. Um veterano sonhador

 


Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *