Exorcismo Sacrolibidinoso  



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(Ilustração: Levi Noli/ Revista Berro)

De pé no meio da praça, ele observa o movimento à sua volta, vestido à executivo: terno sob medida, óculos Gucci, pasta Prada, tudo original: sério, gargalhante, sério, gargalhante, sério gargalhante…

P0rrA! Alguém precisa chamar a família! Ou é rico e doido, ou vigarista e doido, ou um principal se divertindo com a cara da ralé.

E super loucos, super ansiosos para vê-lo se f0dend0.

Eu cá não duvido: fez uma aposta entre os seus enquanto bebericava um Grand Cru.

Um grande kÜ?

Rsrsrs…

Grand Cru, é uma marca de vinho.

Ele deveria experimentar uma Corote dividida entre os trecheiros numa pet.

Não há nada nele de andarilho. Foi aposta: quem conseguir juntar o maior número de curiosos por mais tempo ganha algo que não podemos comprar. Ricos se divertem com a curiosidade dos desgraçados que os financiam. Deve ser um escrav@gista do pinto rosa.

Pode ser um psicótico. Estranho é a polícia ainda não ter chegado.

Olha uma viatura estacionada lá!

Contei quatro.

Talvez seja um espião. Sei lá, melhor ir embora.

Quer saber? Esse merd@ que vá tomar no Ku! Tenho de trabalhar.

Preciso ir também. O Carlos está ali na Hercílio comprando um sapato. E não é um Brioni!

Car@lh0! Preciso pegar a Anastácia na escola! Se der eu volto.

Ainda não almocei. Também tentarei passar por aqui na volta. Quero saber qual é a desse maluco.

E a da polícia também.

Disfarça! Olhe quem tá lá!… A cópia do atestado falso há de estar na bolsa, veio às compras e aproveitou para assistir um show, só para espairecer, peidar enquanto os carros passam, buzinam…

Observe: ele parece indiferente à plateia!

Lá vem o But-But! O pastor da Sete, como sempre, vestido à marrom-diarreia.

Agora, sim! Veja! Ele se aproxima com a Bíblia aberta.

Está ronspirando: Ronc, ronc, ronc…

Aleluias! Glória a Deus! Ronc, ronc…

Oremos! Ronc, ronc, ronc…

Sai daí, suvaquento de bosta! Deixa o cara, p0rr@!

Vai But-But! Expulse dele todo espírito de riqueza, vaidade e concupiscência.

Conscup, concuspe! O quê?

É só uma palavra. Esqueça!

Ai, malandro da Sete, lança pra cá toda sorte de grife que cobre o corpo desse ambicioso endemonhado.

Eu quero a mala!

Os óculos! Aqui!

O terno! O terno! O terno pelo amor de Deus! Eu mesmo faço os ajustes, But!

Mas enquanto o charlatão se aproxima, o desconhecido se empolga: desce as calças, exibe sua b0 c ta depilada, rosada e linda: Louvado seja o Senhor Deus, meu adorável irmão! Em nome de Jesus, eu imploro: ore pelo milagre do p@u nascente. Não precisou mais de um minuto para que suas roupas e acessórios fossem todas atiradas para o alto, por ele mesmo, causando grande alvoroço entre os seus espectadores e perplexidade aos olhos encantados de But-But.

Lígia lutou pelos óculos, mas alguém o furtou enquanto ela tentava enfiá-lo em sua bolsa.

Cadu deu um salto certeiro sobre a pasta e saiu correndo como um atleta em uma pista rápida.

O terno foi disputado com tal fúria e nada sobrou além de farrapos de tecido nobre, porém inúteis.

O cinto caiu nas mãos de Mana Pitolina, de quem ninguém conseguiu mais se aproximar. Lá pelo meio da tarde, ela voltou faceira com cigarros, pinga, leite condensado, macarrão instantâneo, refrigerante…

Somente quando o alvoroço terminou, os curiosos remanescentes atualizaram suas informações sobre o encontro entre But-But e o desconhecido, o qual glorificava a Deus enquanto o vigarista, arrebatado pelo vigor de sua linda bo c ta, a chupava com o furor, esganado de uma ovelha faminta em pasto gordo, ou ácaros pyemotes tritici, gemendo interjeições diabólicas. Sua respiração ofegante aumentou o fervor de seus roncos.

Fato: o desconhecido não tinha pênis, tinha, sim, uma bo c t@ sedutora, a qual fora exposta pela fúria libertadora do execrável But-But.

Espírito de pomba gira, possua o corpo deste teu dedicado servo A GO RA! Ronc! Ronc!…

Se ambos foram presos por atentado ao pudor? Que blasfêmia! A políci@ não haveria de interromper um exorcismo sacrolibidinoso de tal relevância por conta de um bando de bisbilhoteiros desocupados.

Eu hein!

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Tereza Du’Zai é poeta, contista, cronista e professora de Língua Portuguesa e Literatura. O tempo, a loucura, a solidão e a morte são temas recorrentes na sua obra. Vencedora do III Concurso UFES de Literatura na categoria poesia, participou também de coletâneas publicadas entre 2016 e 2022.


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