Coletânea de Contos – Tereza Du´Zai



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(Ilustração: Levi Noli / Revista Berro)

Os Gatos da Senhora Greta Bennet

Por volta das 22 horas, a Socialite Greta Bennet se recolhia com seus bibelôs persas: Alonsa, Garbo, Medina e Fioreta, levava consigo um pote de doce de leite Los Nietitos.

A admirável dama nunca quis casar, sequer teve namorados, não por falta de pretendentes, mas a paixão nutrida por seus felinos era conhecida por todos os seus vizinhos e parentes, e por todos os seus círculos de amizade.

Greta-mulher seria vista somente na manhã seguinte, quando surgia elegante e distinta para o dejejum, além do habitual silêncio e respeito com o qual tratava seus funcionário que a serviam com devoção. Seus criados se sentiam orgulhos pela oportunidade de servir tão suntuosa criatura, não importava quais eram seus desejos, eles sempre fariam tudo para realizá-los, especialmente porque a Senhora Bennet costumava pedir, jamais ordenar.

Voltamos à sua demi-suíte cuja porta era encerrada pontualmente às 22 horas, quando Greta se banhava com as melhores fragrâncias por aproximadamente uma hora em uma réplica minuciosa da Baldi Malachite, enquanto seus bichanos a aguardavam no conforto de sua Jado Steel Style Gold.

Sua nudez era exuberante, caminhava com elegância até o criado mudo, sobre o qual havia deixado sua delícia erótica. Com satisfação, abria o pote sem grande esforço, deitava-se de pernas abertas. Bem abertas! Cobria seu abdômen, seu sexo, seu ânus, suas virilhas e partes internas de suas coxas com uma delicada camada de Los Nietitos, fechava os olhos embevecida.

Quão deleitosa poderia ser sua generosidade?! Em poucos segundos sentia as primeiras lambidas, as carícias das pelagens macias e longas passeado por suas pernas, barriga, ânus…

Ao final sentia-se satisfeita e limpa, adormecia.

Elisabete Rios: colecionadora de pênis

Elisabete Rios, 21 anos, é estudante de medicina, colecionadora de pênis. Todas as noites ela abre a porta de seu santuário, onde estão expostos todos órgãos extraídos de suas 54 vítimas de estupro, todos dentro de jarros de vidro preenchidos com formol, sendo que o primeiro da coleção pertenceu ao seu tio-avô, o Sr. Evangelista Laerts, quando Bete tinha apenas 13 anos e aconteceu de o tio desmaiar após inalar clorofórmio por descuido. O motivo do desmaio ela veio a descobrir mais tarde durante as investigações, mas suas atrocidades evoluíram terrivelmente a cada nova vítima.

Diante de sua própria escultura nua, nomeada por ela, Elisabete, a Casta, ela sussurra todo o rosário suspirando, gemendo entre um orgasmo e outro.

Antes de sair de seu relicário, a jovem estudante se benze diante de cada pênis, abençoando-os e pedindo proteção e descanso para as almas daqueles a quem, segundo sua compreensão, ela sofreu para salvar.

Eu Matei Osvaldo

Sim, eu matei Osvaldo, eu matei o filho da puta do Osvaldo e tenho muito orgulho disso. Eu matei Osvaldo, Dona Mariana, a Senhora me desculpe, era seu filho, mas não recebeu educação para respeitar uma mulher e, se não estivesse morto, seria um assassino, um feminicida..

Eu matei Osvaldo, Sr. Juiz, espero que o Sr. me entenda, pois, mesmo depois de 16 boletins de ocorrência, ele continuava livre para me perseguir, me ameaçar de morte e me espancar sempre que pretendia. Eu matei Osvaldo porque a justiça não se mostrou suficiente para impedir que ele viesse a me matar. Seria ele ou eu. E eu optei por ele. Matei Osvaldo e estou aqui para contar a história e me defender. E não foi difícil, foi muito fácil. Depois de mais uma dentre as centenas de surras que levei desde que nos conhecemos há 9 anos, obrigou-me a servi-lhe o almoço. Mas, naquele dia, eu já havia preparado o seu prato preferido: estrogonofe de carne com arroz e batatas fritas, apenas acrescentei algumas folhas de belladonna ao cardápio, não demorou muito para vê-lo convulsionando, caído no meio da sala com as pupilas dilatadas, alucinado e sufocado. Aproximei-me tomei seu pulso e vi que seus batimentos estavam acelerados. Ele tentou desesperadamente falar alguma coisa, mas não conseguiu. Eu tinha a pilocarpina em casa, o antídoto da belladonna, comprei as duas substâncias no mesmo dia, mas não senti nenhuma compaixão, o menor desejo de salvá-lo. Por isso entrei no meu quarto, vesti minha melhor roupa, as mais chamativas, dediquei mais tempo do que de costume à maquiagem, me enfeitei com acessórios coloridos e saí para dançar. As testemunhas que lá estavam terão orgasmos de satisfação ao relatar o quanto me diverti naquela noite, os homens, principalmente, haverão de exaltar o teor de minha crueldade e frieza ao dançar alegremente, enquanto meu ex-companheiro agonizava no escuro do chão de minha casa fechada.

Eu honestamente estava feliz por ter a certeza de que Osvaldo não entraria com sua brutalidade e seu ódio pela porta do salão para me arrastar pelos cabelos enquanto me esbofeteava diante de um público tão covarde quanto ele. Não raras foram as vezes em que os seguranças nos lançaram juntos para o meio da rua, num só pontapé, num só empurrão. E por que eu voltava para me divertir no mesmo lugar se há tantos bailes na cidade? Porque mesmo sendo espancada com tanta frequência, comprometi-me a não deixar de fazer nada por obediência aos caprichos e às ameaças de Osvaldo. Muitos dos presentes podem estar pensando: “E com quem ela dançava? Que dignidade ela possui se costumava se divertir com pessoas incapazes de defendê-la?” Pois eu lhes digo, Sr. juiz: eu dançava e me divertia com a minha amada Edite, a minha delicada Edite. Ela tem nanismo e mede 1,25 cm, mas com ela eu me sinto forte, valente e tenho coragem suficiente para enfrentar o que vier, e nunca, nunca, nenhum homem me fez gozar com tanta alegria e satisfação como a minha Ditinha. Uma mulher dessa faz a gente descobrir que vale a pena viver.

Não me arrependo e espero que outras Daianes sobrevivam aos seus Osvaldos e possam ao menos comparecer aos tribunais e serem elas as rés e não as vítimas de feminicídio; para que outras Daianes possam ao menos ter a oportunidade de contar o desfecho trágico de seus relacionamentos com seus ex-companheiros; para que outras Daianes sejam as sobreviventes e possam retornar à sociedade para continuar suas vidas de cabeça erguida, vitoriosas e sem remorsos, após um curto período de reclusão. Porque essa é a realidade dos machos feminicidas. Não há consciência para eles e, por isso, não haverá para mim.

Para finalizar, Sr. Juiz, eu me declaro uma culpada inocente e pronta para receber e cumprir minha sentença. Pretendo terminar meus dias livres ao lado de minha adorável Ditinha, nada mais.

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Tereza Du’Zai é poeta, contista, cronista e professora de Língua Portuguesa e Literatura. O tempo, a loucura, a solidão e a morte são temas recorrentes na sua obra. Vencedora do III Concurso UFES de Literatura na categoria poesia, participou também de coletâneas publicadas entre 2016 e 2022.


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