Papo de bêbo: DominiCanas paragens do Centro da cidade*



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(Fotos: Artur Pires e Ramon Sales)

Por João Ernesto

Domingo pela manhã acordei com humor tranquilo. Sereno, fiz o café para meus amigos e para mim mesmo, claro. No processo em que a água fervia, eu juntava os bons sentimentos para o dia que se iniciava. Tomei banho como quem retira um peso das costas, me olhei no espelho e não vi mais nenhuma novidade. Fui a pé ao centro e Gabi foi de bicicleta, no caminho conversei tanto com Ramon sobre os mistérios que aquela cidade guardava em um domingo de manhã. Atravessamos a Praça do Carmo e logo depois a Duque de Caxias, olhei as fachadas dos prédios e sua descaracterização nesses tempos. Uma questão me veio: será que alguém para pra apreciar essas fachadas? Ou será mesmo que todo mundo tem o Centro como uma via de passagem, de não-permanência ou de retorno financeiro, só? Aquelas calçadas parecem virgens, inóspitas. Aquela Praça do Ferreira nem parece aquele recanto de gente que pousa nos bancos em final da tarde. Lembro bem de ter lido sobre o Centro em dias de domingo na época em que haviam também cinemas de rua em Fortaleza, o Cinema São Luiz, o Cine Diogo. Após as sessões muita gente ia passear pelas ruas do Centro, paquerar, jogar conversa fora… viver um pouco da cidade, mesmo sem perceber.

Os pensamentos iam e vinham, ao mesmo tempo que chegávamos ao lugar de destino: Raimundo dos Queijos num domingo à tarde é uma artéria do Centro que pulsa forte, ao som de música que parece não envelhecer e burburinho de conversas afoitas. Fumaça do espetinho que demora a sair por conta da fome que faz fila em frente ao carrinho. Pegamos copos pra tomar a cerveja que espera em cima da mesa em que Gabi estava. Fomos conversando e discutindo sobre nossas vidas, política e, sem perceber, nossas vozes já faziam parte daquele burburinho, nos misturávamos com os demais, imersas naquela realidade dominical… ou dominicana, pra ser mais justo com as doses que passeavam na nossa mesa.

papo de bêboMuita coisa se aprende em um domingo. Muita coisa fica na memória. Como no samba de Cartola que dizia: “preciso andar, vou por aí a procurar, rir pra não chorar”, voltamos a pé pra casa, não sem antes passar pelo Parque das Crianças. Lá um homem tomava banho. Sentamos um pouco para aproveitar o pôr do sol e na conversa com ele tivemos uma quase epifania. Devemos aproveitar nossos domingos, esses dias que vão além do futebol na televisão. No meu domingo vou querer rua para envelhecer sem ser careta, fica o desejo. Que os domingos nos guardem encontros sem pressa (na manha!). Que as pessoas não precisem dormir nas ruas para poder vivê-las com intensidade.

Publicado na Revista Berro – Ano 01 – Edição 03 – Dezembro/Janeiro 2015 (aqui, versão PDF)


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