Crônicas da Cidade: Ou vai… ou racha!



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(Foto: #VaiTerCampinho, de Gabriel Gonçalves)

Artur Pires

Não, o título acima decididamente não faz alusão a nenhuma necessidade iminente de decidir-se sobre algo, de optar por algo ou qualquer coisa que os valha. É nada mais do que um trocadilho fuleragem para introduzir o assunto que as próximas linhas abordarão: o futebol na Cidade dos Funcionários e adjacências.

Racha é a maneira como milhões de brasileiros se referem ao ato de jogar futebol, bater uma bolinha. A Cidade dos Funcionários já foi um bairro pra lá de propício a esta atividade. Hoje nem tanto, mas até alguns anos atrás essa banda de cá de Fortaleza agrupava mais campos de futebol do que qualquer centro de treinamento de time da 1ª Divisão do Campeonato Brasileiro. Era um campo a cada esquina.

Foi assim que o bairro se desenvolveu: em volta dos inúmeros campos de futebol que dividiam com as mangueiras, jambeiros, pés de azeitona e cajueiros a composição da paisagem outrora bucólica desta área. É por este motivo também que a Cidade e adjacências (Tancredo Neves, Tasso, Vila Cazumba, Cajazeiras, Jardim das Oliveiras) abriga (ou abrigou, uma vez que alguns já fecharam as portas) diversos times suburbanos da capital: Fortalezinha, Cearazim, Vasquim, Juventude, Atalanta, Asas, Cifec, Leão Azul, Tancredo Neves, Internacional, Nacional e UGFC.

Lembro das primeiras vezes que, ainda menino véi de 9 ou 10 anos, experimentei sair de casa para jogar bola em algum dos campos aqui das redondezas. Joguei, desde então, numa dezena deles: no da Pague Menos (era assim chamado porque ficava atrás da farmácia homônima), no do IPEC, no do Asas, no campo dos conjunto, no campo das azeitoneiras, no lago, nos trenszim, no campo do terreno do Antônio Caixeira (ganhamos inclusive um campeonato nesse campo, que nos valeu, como prêmio, uma galinha de capoeira – ainda viva! Essa história está retratada aqui: O torneio da galinha) e, obviamente, no campo de areia da praça (que, infelizmente, não existe mais).

De geração após geração, o costume de bater racha na Cidade dos Funcionários é mantido. Sagrado! Atualmente, a praça está em reforma e o racha rola às quarta-feiras na quadra da escola próxima. Quando voltar à praça, não se restringe só à galera da Cidade. Vem jogador do Tancredo Neves, da Vila Cazumba, do Jardim das Oliveiras, do Vila Verde e das Cajazeiras. Vez por outra, até do Cambeba, da Messejana e de outras áreas mais distantes.

Em torno de jogar futebol, se reúnem pessoas de diferentes bairros. Mas o grande lance é que os encontros não se restringem tão somente ao ato de bater uma bola. Não! Há, também, nas arquibancadas da quadra toda uma interação maior que vai muito além dos “10 machos correndo atrás de uma bola”.  Tem as tirações de onda, tem a prosa descontraída, tem a convivência com pessoas de outras quebradas que, certamente, se não fosse pelo racha que as leva até a Cidade, nunca as conheceríamos. E sabe por quê?! Porque para jogar futebol bastar querer – e, minimamente, saber chutar uma bola! Não importa se é preto, branco, pobre, rico, magro, gordo, baixo, alto; rachar numa quadra de praça é extremamente democrático (não falo aqui desses campos de aluguel que custam 60, 70, 80 reais a hora). Sem falar que é um das pouquíssimas atividades de lazer para muitos jovens da periferia, que vivem em meio à negligência e ao descaso estatal.

O triste de tudo isso é constatar que a cada ano diminuem as opções de campos no bairro (na cidade como um todo!) devido ao processo predatório da especulação imobiliária, que vai transformando os campinhos em concreto, cercas elétricas e medo. Uma pena!

UGFC

Um dos times da Cidade dos Funcionários, que tenho orgulho de fazer parte, o União dos Grafiteiros Futebol Clube (UGFC), formado e treinado no racha da quadra, com 90% dos jogadores nascidos e criados no bairro, disputa torneios amadores. O UGFC foi campeão do Torneio Interbairros do Canindezinho (bairro da zona oeste de Fortaleza) em 2011 e vice-campeão em 2012. Venceu também um torneio na Parangaba em 2011. Já disputou torneios na Sabiaguaba (2012 e 2013), na comunidade do Pôr do Sol, na Grande Messejana (2015), entre outros.

Mais do que o clichê “o importante é competir”, o que vale mesmo é compartilhar a vida por meio do futebol, porque, mais do que um esporte, ele pode ser um agregador social dos bons.

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Da seção Crônicas da Cidade

A mídia ninja e a mídia molecagem
A periferia que se foi…
Uma noite no Canto das Tribos
A sexta-feira da praça
O torneio da galinha
Dedé, boemia e futebol
A arte de levar uma geral 


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