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Você já ouviu falar em desescolarização? Sabia que há um crescente número de pessoas que decidem não colocar as(os) filhas(os) na escola e criá-las(os) livremente, sem a mediação pelas escolas?
Pois é, pode parecer algo muito distante da nossa realidade, mas não é tanto assim. No Brasil, a ex-bailarina e educadora Ana Thomaz é uma reconhecida porta-voz do processo de desescolarização. Aos 13 anos, seu filho Gutto pediu para sair da escola. Após um susto inicial, Ana decidiu experimentar a vontade dele, e ambos passaram a trocar conhecimentos em casa. O garoto cresceu e hoje, aos 22 anos, é ilusionista, com apresentações na Inglaterra, Argentina, Chile, México e Guatemala. A partir daquela decisão, um mundo de novas possibilidades abriu-se para a educadora. As outras duas filhas, que vieram depois em partos domiciliares, nunca foram à escola. Ela conta tudo isso e mais coisas importantes no documentário O que aprendi com a desescolarização, de Luiza de Castro, e também no seu blog, o Vida Ativa.
Quase dez anos após o pedido de Gutto, Ana está convicta de que a desescolarização, que ela também chama de “desmassificação” ou “descolonização”, é um processo vivificante, que nos esvazia de condicionamentos, crenças e dogmas sociais adoecedores e limitantes à nossa própria liberdade. Batemos um papo com ela para entender mais sobre tudo isso.
Ana, o que é de fato a desescolarização?
Estamos cheios de crenças, que foram sendo colocadas ao longo de nossa escolarização. Chegou o momento de esvaziar, de reestruturação, de recomeçar a construir a partir de outras bases, de outros princípios, de outros valores. Na desescolarização é preciso desapegar das crenças que impedem as transformações e os movimentos naturais da vida. Tirar as crianças da escola, ou ensiná-las em casa, não garante nada, pois os pais e a sociedade também estão escolarizados e repetirão o papel da escola. A desescolarização é tirar a escola de dentro de nós, desapegar das crenças e abrir espaço para o movimento e a criação.
Como a desescolarização pode transformar a sociedade?
Quando desinvestimos nas crenças, surge um outro modo de pensar, sentir e agir na vida. Assim, paramos de sustentar esse modelo e nos abrimos para a criação de uma vida mais conectada à natureza humana. Deixamos de ter a ilusão de que esse modo de viver é o único e nos tornamos responsáveis por uma vida mais plena e alinhada a nossos propósitos e desígnios.
O que é atualmente a escola?
Cada vez menos sei o que é a escola, pois estou muito distante dela, mas ontem mesmo alguns professores vieram conversar comigo, pois estavam muito descontentes com o ensino formal e descreviam cenas realmente tristes. Porém, esses professores estão tão escolarizados que o máximo aonde chegam é na angústia e na reclamação, não conseguem enxergar na ação. Por isso, a mudança precisa começar em cada um de nós e não na reforma de um sistema, senão não sairemos do mesmo lugar.
Além da desescolarização, que outras iniciativas sociais podem ser tomadas para transformar a sociedade?
Além de tirar a escola de dentro de nós, podemos tirar também a institucionalização e tudo mais que nos determinam de fora. Reconhecer a legitimidade do ser humano, a nossa incondicionalidade e nos reconectarmos com o que sustenta a biologia humana, o amor. Amor é a capacidade de aceitar incondicionalmente a própria existência e a existência do outro. Para isso, precisamos desinvestir muitas crenças que mantêm nossas mentes cheias e estagnadas, e gerar uma relação de criação e fluxo com a vida.
Qual sua opinião sobre a autogestão de nossas vidas cotidianas?
O ser humano tem todas as possibilidades de se autogerir. Biologicamente, somos seres autopoieticos (teoria desenvolvida pelos biólogos e filósofos chilenos Francisco Varela e Humberto Maturana), isso quer dizer, nos construímos a nós mesmos constantemente em relação, e isso é muito diferente da gestão que reproduz o mesmo sistema hierárquico com o pensamento de escassez, nas relações baseadas no julgamento, na comparação, na competição, nas quais fomos treinados. A autogestão é um processo que se inicia em cada um de nós, por isso é possível começar agora e assim teremos tempo de ver isso refletido na nossa sociedade.
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*Essa entrevista foi publicada (pg. 22) como parte da reportagem “Aurora de sonhação: As raízes de um mundo novo“, na Revista Berro – Ano 02 – Edição 05 – Julho/Agosto 2016 (aqui, versão PDF).