Zero:zero



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23h37min. Saraiva estava apreensivo, preocupado em passar a noite só, logo àquela noite, querendo saber se Fernandes viria ou não trabalhar; aperreadim mesmo depois de um chá de capim santo, de dentro da cabine de fiscalização, sentado em um tamborete olhando para o local onde devia estar seu colega, mas só via outro tamborete. Os tamboretes além de assento serviam para garantir uma maior privacidade, pois ali agachados não seriam vistos por quase ninguém, a não ser por pessoas como a Ivonete. Deu um toque no celular de Fernandes e dezessete toques no celular de Ivonete.

23h47 min. A vendedora de chá passa novamente e explica que a praça estava vazia e calma daquele jeito porque era começo de alta estação e a cidade estava lotada de gringo e tudo que era mala estava atrás do dinheiro desses gringos, que se concentravam na praia. Sub-inspetor Saraiva tinha conseguido aquele posto através da intervenção do vereador o qual vivia bajulando e protegendo, a praça não era essas coisas todas, tinha até um relógio que vivia atrasado e gerando confusão na cabeça de bêbados desavisados, mas guardas civis juntamente com outras autoridades podiam tirar proveito das ações de muitos dali, como o arrego de assaltantes, traficantes, michês, cafetões, descuidistas, dentre outros. E extorquir: frequentadores da praça, transeuntes noturnos, turistas perdidos, evangélicos pregadores, maníacos, turistas drogados, galera do chifre, emos, viciados em bingo, turistas perdidos de tão drogados, amantes de figuras do pedaço. Autoridades a essa hora naquele lugar podiam explorar à vontade: taxistas, mototaxistas, vendedoras de chá, flanelinhas, funcionários dos bingos etc. Aquele ambiente pesado e barulhento estaria totalmente tranquilo e silencioso, se não fosse a pregação dos evangélicos de diversas igrejas em disputa contra as caixas de som que truavam dance music da janela de um apartamento de frente à praça. Pelo jeito esses não gostam de gringos.

00h33min. Não tinha mais nem perigo da Ivonete aparecer. Depois de um cochilo Saraiva se tocou que não havia mais pregação e nem dance music, ótimo para voltar a relaxar.

01h14min. Um agiota passa e detecta que Sub-inspetor Saraiva estava no terceiro sono, de pescoço quebrado – dormia que babava, ele o acordou e o deu uma bebida energética e dois arrebites; em troca da caridade pediu que o Sub ficasse tomando de conta de uma motocicleta enquanto ia fazer uma rápida orgia. Como estava com as chaves Sub-inspetor Saraiva subiu na motocicleta e começou a se sentir melhor. Se fosse de briga pegaria uma arma e sairia eliminando seus inimigos. Muitos guardas civis sonham em ser policias e outros sonham em ser bandido, agindo como tal, mas Sub-inspetor Saraiva dos dentes só queria o ouro e preferia ser um barrigudo acomodado com certo crédito na “praça” do que ser um vibrador liso e sem esquema nenhum, ou alguém procurado pela justiça.

01h09min. Porém o relógio da praça anunciava meia-noite.

01h29 min. Com as nádegas grudadas no acento da motocicleta Saraiva viajava que era uma beleza, uma graça que só vendo, de repente adormece, de repente acorda com uma forte dor na barriga e flatulências que o cuspiram para longe da motocicleta, ele emburacou em um bingo ali de frente, nem deu atenção às pessoas que o cumprimentavam, nem podia, entrou no banheiro destinado aos funcionários e caiu em cima da sentina. As dores eram muito fortes, só que nada saia do seu corpo a não ser mais flatulências, suor e lágrimas. Não era a primeira vez que ele sentia aquelas dores, no entanto tinha muito medo de hospital, posto de saúde ou qualquer canto que se aplicasse injeção.

01h46min. Sub-inspetor Saraiva ainda com dores saiu do banheiro com a cara desconfiada, como tivesse aporcalhado tudo, bem mais preocupado em falar com as pessoas que o cumprimentaram quando entrou no bingo do que em zelar pela integridade da motocicleta da qual tinha sido incumbido de pastorar. Pois é, ele tinha aprendido algumas coisas com Fernandes. Viu Marieta em uma máquina caça-níqueis. Para muitos, Marieta não passava de uma prostituta aposentada por acidente de trabalho metida a cafetina, mas para Saraiva, que nem ligava para as cicatrizes e manchas, ela era uma bela e fogosa mulher. Não resistiu, foi até Marieta já retirando umas moedas dos bolsos. Depois de entregar as moedas a ela deu um beijo-cheiro em seu cangote.

01h57min. Saraiva estava com Marieta no balcão do bar do bingo, ela tomava uma dose de campari e ele um energizante quando Sub-inspetor Saraiva lembrou da motocicleta e saiu agoniadamente para a praça.

01h58min. Sub-inspetor Saraiva da calçada do bingo viu o agiota desesperado exatamente no lugar onde era para tá a
motocicleta.

01h59min. Sub-inspetor Saraiva nunca sentiu tanto medo. Chamou rapidamente Marieta e rapidamente desabafou. Marieta teve a ideia de chamar um táxi para que o Sub saísse dali sem dar satisfações ao agiota. O táxi chegou e o Sub se mandou; sabia que não seria exonerado por conta do abandono do posto, o máximo que rolaria seria uma suspensão, mas era também para isso que servia sua amizade com o vereador que bajulava.

Augusto Azevedo é tesoureiro do sindicato dos black blocs e perito em desarmamento de balengotengo


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