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Você pode até incendiar o meu barraco
Mas no meu terreiro, cinza é alimento
A minha luta é o teu constrangimento
Em saber que enquanto você tem medo
Toque eu
O meu tambor ou não
Eu piso descalço
Eu calço esse chão
Subo o morro
E nego a contradição escura
Do conto português
Que o colonizador tem poder
Sobre o colonizado
Que faz você ter orgulho do bisavô holandês
E a memória do índio que o conto fez
Virar fumaça
é a culpa da sua desgraça.
Olhe, veja bem…
Se nessa contradição toda você enxerga desgraça
É porque pra muita gente a fome não passa
E procurar comida é a única saída
Pra essa farsa que diz
“tá tudo bem, já passa”
De meia noite
E tem gente dormindo na praça
Morrendo de medo dum açoite
Que tem muito playboy que não perdoa
Acende à toa um fósforo
No corpo do índio
Que na cabeça do agressor
Era só um mendigo.
Imagina o que é conviver com esse medo todo?
E ainda quando acorda (se acorda)
Tem que ouvir grito de dono de loja
Olhar pra cara do povo que anda apressado
E ver a gente olhar pro outro lado
Com a mão na bolsa com medo de ser assaltado.
Olhe que num é por nada não, mas essa contradição
De shopping dividindo espaço com favela
Num é de hoje não
isso é antigo, a folha tá amarela
de tanto a gente ouvir o discurso do oprimido
pedindo outra condição,
mas essa porra nunca muda
e, enquanto isso, tu vai procurar ganhar mais
explorar mais
e reclamar mais
que a violência tá foda.
Foda é outra coisa que esse povo não tem.
Tá pensando que mendigo tem direito à privacidade?
Esse direito foi tirado
E pela normatividade
Amar é crime
‘Prevaricagem, cidadão!’
Mas continuo dizendo que tá foda a situação
E a luta é o re
tiro
certeiro
pra ajeitar esse contexto.
Até porque de tanto falar, o povo ficou sem voz
esse couro grosso
essa pele ardida
cansou a alma oprimida.
De tanto ouvir e nada fazer,
o povo ficou meio surdo.
Essa cegueira toda
que faz a gente dizer que a culpa é do pobre
Nunca da pobreza,
É o mote violento
Do estado e do cidadão.
‘ah, quantos são? Deixa eu ver…
É mais de um milhão?
Tá, vou passar a ligação
E o presidente deixou de pronto que entrega a patente
E que resolve deixar o povo
Tocar a revolução.’
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João Ernesto acredita que as reticências ainda querem dizer muita coisa…
*Poesia publicada na Revista Berro – Ano 02 – Edição 04 – Julho/Agosto 2015 (a seguir, versão PDF).