SondaBerro: Sobre construir casas e fazer músicas



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Músico Lucas Santtana conversou com a Berro durante o festival RecBeat, em Recife (Fotos: Ramon Sales/Revista Berro)

Uma colcha de retalhos rítmicas harmonizadas de forma autoral e orgânica. É guitarrada, ska, dub, samba, bossa, tudo que o músico pode utilizar pra temperar seu ritmo. Lucas Santtana nasceu enquanto a tropicália era marco da inquietude daquele início da década de 70. Ele traz metáforas para a entrevista como quem fala pensando na próxima música a ser composta. Com quinze anos de carreira o soteropolitano pousou em Recife para ser uma das atrações do último dia do festival RecBeat, que completou vinte anos em 2015.

Nesse tempo de estrada Lucas já acompanhou vários músicos como Chico Science e Nação Zumbi, Gilberto Gil e Marisa Monte. Hoje se destaca no cenário nacional e internacional como um músico que conseguiu amadurecer sua vasta carga musical acumulada desde a infância. Lucas bateu um papo com a Berro durante o RecBeat, em Recife, e falou sobre seu processo criativo e outros pontos de vista.

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A gente nota a presença forte de ritmos como ska, dub, funk (dentre outros) no seu som. Como é o processo de composição, as músicas já saem com uma batida específica?

Às vezes você faz a intenção de uma música no violão, na guitarra. Mas muitas vezes vem uma coisa que à medida que você vai construindo os layers, como numa casa, você vai construindo a fundação, subindo as paredes, colocando umas janelas, você vai entendendo o espaço, vai percebendo onde é o poente da casa, de onde vem o vento e você vai adequando da melhor maneira. Com o tempo eu fui entendendo que a gente não deve impor à música várias ideias que você quer. Você tem que ir construindo a casa devagarzinho e escutando o que a música tá querendo, o que ela tá precisando. Daí nessa de você ir escutando você coloca um elemento a mais, tira um elemento, testa outra coisa, você vai construindo a casa. Daí muitas vezes uma música que começou em uma intenção de um estilo, acaba indo pra outro lado, ou agregando várias outras referências.

A melodia e a parte escrita surgem em conjunto?

Raramente componho premeditadamente. A música quase sempre acontece de uma inspiração que vem, vem um riff, vem uma letra e o resto vai saindo.

Fala pra gente como é a cena de Salvador no início e hoje; quais diferenças ou semelhanças que você nota de 15 anos pra cá?

O RecBeat tem cinco anos a mais que eu de estrada. Se era difícil há quinze anos, imagina o que era pro Guti (produtor do festival) há vinte anos. Quando eu comecei, junto com o Cidadão Instigado fomos os primeiros nessa cena independente mesmo. Havia outras bandas, mas elas tinham gravadora, eram maiores. No começo tinha muita dificuldade: não tinha lugar pra tocar, não tinha cachê, a gente ia “abrindo caminho a facão” mesmo, na mata virgem. A gente não gosta muito de olhar pra trás, mas se a gente fizer esse exercício, a gente nota como cresceu o público, como cresceu o espaço pra esse tipo de som. É interessante também notar como a nossa música foi crescendo com o tempo também, como nosso som foi evoluindo, a gente foi experimentando outras coisas. Muita coisa nesses quinze anos melhorou, é uma rampa ascendente que não tem oscilação.

O RecBeat é referência em festival independente e rola em meio ao carnaval e acontece na rua. Você pode comentar um pouco da sua relação como artista com o fato de tocar na rua?

Eu sempre chamo a galera pra cima do palco, justamente pra quebrar essa relação de pessoas assistindo. Pra gente, quanto mais próximo a gente esteja do público, mais aquela noite vai acontecer. Se a gente não tiver um feedback, o show acaba não sendo tão legal, então é uma realimentação. E, na real, o que é massa em festivais como o RecBeat é essa coisa de show de rua, é uma energia de Exu, né? É uma energia que não deixa nada ficar parado, que é do movimento. Quando você toca na rua, você nunca sabe o que vai vir, é sempre surpreendente. Não é como tocar em um teatro, ou numa casa de show, que você tem o domínio, você sabe quem tá ali, você tem mais o controle desse feedback. Quando é na rua você não tem esse controle, você acaba deixando a coisa livre, se liberta dessa função de frontside, de ter que dá conta disso, você deixa isso dando conta de você e cada um dá conta de si, cada um se diverte.

ls2Como é esse movimento de ocupação de rua pela música em Salvador, você poderia comentar como é lá?

Pois é, Salvador passou muitos anos e ainda tá ouvindo só axé. Foram gerações e gerações educadas ouvindo só isso, mas de uns anos pra cá surgiram muitas bandas legais como Baiana System, Russo, Retrofoguetes e muitos grupos de música instrumental que hoje levam um público grande pros eventos. Hoje graças à internet e graças a esses novos tempos, conseguiu-se que em Salvador surgisse um público para esse tipo de som… e tem vários gestores culturais também como o Vince de Mira (ex-vocalista da Lampirônicos) que faz vários festivais nesse sentido de ocupar a cidade com outros tipos de som, então é isso.

Como foi a escolha do figurino pra apresentação aqui em Recife? (Lucas se apresentou com um vestido rosa claro como você pode ver nas fotografias abaixo)

Quando eu toquei aqui há cinco anos, eu não sabia dessa onda e eu vim com roupa normal. Daí me falaram “pô, aqui todo mundo toca fantasiado, é tradição”. Eu nunca tinha me vestido de mulher, daí eu avisei pro Bruno, Caetano (músicos que tocam com Lucas) pra gente se fantasiar e debutar no carnaval. Dá um trabalho da porra, tem que se maquiar e tal.

E quando vai rolar de tocar em Fortaleza outra vez?

A gente tá afim de um esquema que leve a gente. De 2007 até 2011 a gente foi quase todo ano pra lá, mas depois parou e faz uns 3 anos que a gente não toca lá. Eu tenho uma história bem forte com o Ceará, já fui várias vezes na Mostra Sesc Cariri de Cultura, já fiz um documentário pra TV Sesc sobre a Mostra. Também fiz uma trilha sonora de uma peça teatral chamada “O Duelo”, cujo laboratório foi em três cidades que eu lembro ser Iracema, Lavras da Mangabeira e outra cidade que eu tô esquecendo do nome agora.

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*Abaixo, você vê registros da apresentação do músico no RecBeat 2015

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