Diretor d´A História da Eternidade: “O sistema de distribuição e exibição de filme no Brasil é uma máfia”



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(Fotos: Cristofther Fernandes/Revista Berro)

No sertão já teve quem falasse das mulheres fortes. Não lembro bem se alguém já falou de três mulheres que fazem do desejo suas epifanias, seus modos de desabrocho. E é sertão, né? Essa região que ainda pauta a submissão feminina como regra, noves fora vem um cara da capital falar que “o desejo liberta o que o destino aprisiona”. São três personagens que nos colocam em dilemas humanos, numa colcha de retalhos de metáforas sublimes, de nuances sobre a região que passaria desapercebido ao olhar capitaneado pelo urbano.

Apesar da força poética do filme, Camilo Cavalcante, diretor de “A História da Eternidade“, também fala sobre sua penitente instiga em trabalhar com cinema, de fazer parte e de ser entusiasta da sétima arte como mola-motora pra outros movimentos do indivíduo. “Cinema Cabra da Peste” seja em qualquer região, em qualquer localidade, com quaisquer bitolas, o que não vale é fazer cinema “Bitolado”. Camilo bateu um papo com a galera da  Berro sobre seu trabalho e aqui vai a primeira parte da entrevista onde ele conta um pouco sobre sua carreira e o fazer cinematográfico.

Revista Berro: O que tu achas desse processo de migração dos cinemas para os shopping centers e a conseqüente diminuição dos cinemas de rua no Brasil?

Camilo: Eu nasci nos anos 70 e vivenciei muito forte os cinemas de bairro. Era a coisa mais linda que tinha, porque sempre as sessões eram lotadas, além do preço ser acessível. Você tinha a sensação realmente de entrar em outro mundo quando entrava numa sala de cinema e quando saía você tava de volta à realidade das ruas, do seu bairro, ou do centro da cidade. Hoje em dia você entra no shopping, que é uma ilusão e vai pra uma sala de cinema dentro do shopping, é uma ilusão dentro da ilusão. Com essa coisa de Multiplex, o cinema é tratado como mercadoria mesmo. As pessoas vão ver cinema como quem compra uma roupa, um sapato. Vivemos num mundo em que impera uma ditadura do consumo e da publicidade. Eu sinto que falta um espaço para a reflexão e para o sentimento.

Nesse processo de distribuição de “A História da Eternidade” nos cinemas eu posso dizer categoricamente que o sistema de distribuição e exibição no Brasil é uma máfia dominada por grandes corporações, por poucas distribuidoras, corporações essas que detêm o poder econômico, conseqüentemente os fins e os meios. Fica muito difícil furar esse bloqueio. Essa máfia chega muitas vezes ao absurdo da sabotagem, do boicote pra não passar o filme independente numa sala de shopping. O cinema autoral é tratado como passageiro de quinta categoria, é como as classes sociais mais pobres são tratadas pela elite dominante.

Como você enxerga sua produção em meio a esse turbilhão de imagens que são feitas para vender?

Camilo: Eu enxergo meu cinema como artesanal, que prima pela poesia. O foco é a poesia audiovisual. É um corpo estranho em meio a essa enxurrada de filmes que vemos no circuito comercial. Inclusive no circuito artístico também, nós vivemos num mundo onde as pessoas estão muito cínicas e muito céticas também e isso acaba refletindo na produção audiovisual. Pelo menos “A História da Eternidade” vai na contramão desse cinismo e desse ceticismo, é um filme que tem emoção, que fala de amor, que fala de sonho, que fala de desejo.

O filme tem outra relação com o tempo cinematográfico, se passa numa região seca, mas busca encharcar as pessoas de emoção, por isso que o vejo como um filme um pouco diferente daquilo que vem sendo produzido.

oia.

Você já utilizou de várias bitolas cinematográficas para realizar seus filmes (Betacam, 8mm, VHS). Você pode comentar sobre as possibilidades de realização do início de sua carreira como cineasta e hoje?

Camilo: Comecei a trabalhar com audiovisual em 1995, na época eu fazia faculdade de jornalismo em Recife.  Eu já tinha vontade de trabalhar com cinema desde a adolescência, daí na faculdade resolvi botar a mão na massa, praticar mesmo. Naquela época o Collor tinha acabado com a Embrafilme, então a produção cinematográfica no Brasil era quase nula…

 Com exceção dos filmes dos Trapalhões, né?

Camilo: E olhe lá… em 95 a produção era muito insípida. Collor acabou com o cinema brasileiro. Naquele momento eu tinha acabado de entrar na universidade e era na época do VHS. Ganhei uma câmera VHS compacta e fiz um vídeo chamado Cálice, que contava a história de um suicídio que aconteceu lá na casa do estudante, na UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), um fato real e fizemos uma ficção baseado nesse acontecimento. A partir daí eu passei a experimentar com os recursos que tinha a mão, sempre junto com amigos, com a família, fui experimentando.

Na verdade o caso de eu ter experimentado várias bitolas estava muito relacionado ao que estava a mão, ao que era mais fácil e o mais barato pra tornar a ideia algo realizável. Em 2000 eu ganhei um concurso do Ministério da Cultura e eu pude fazer algo mais estruturado, daí fiz O velho, o mar e o lago. A experimentação pra mim veio de uma forma muito natural, dependia dos recursos que eu tinha. Inclusive, em 97 eu escrevi o Manifesto Cabradapeste, que dizia justamente o seguinte: não importa a bitola, não importa o formato, o que importa é você se expressar, expressar sua ideia em audiovisual. O que importa é você botar pra fora, você berrar. Não existe nada mais lindo do que ver uma ideia se libertando.

Hoje a produção cinematográfica ta troando lá em Recife, né?

Camilo: Na verdade Pernambuco sempre foi um celeiro importante da produção audiovisual no Brasil. Desde o ciclo de 20, passando pelo ciclo do super-8 na década de 70, sempre foi pulsante na produção de imagem. Agora a gente tá vivendo o melhor momento, sem dúvida. O governo do estado reconheceu o esforço dos realizadores que fazem cinema lá. A gente tem um edital, o Funcultura, do governo do estado de Pernambuco, o que gera uma cadeia produtiva de incentivo à produção audiovisual. Desde curtas, longas, cineclubes, programas pra TV, é muito amplo, sabe?

Mas pra mim o grande trunfo do cinema feito em Pernambuco é essa diversidade de ideias, não existe um único fluxo. Ninguém tá copiando ninguém. Não é um movimento, são várias movimentações de pessoas e de grupos de diversas gerações que se expressam através do audiovisual e cada filme tem a cara de seu realizador. Ninguém tá fazendo cartão de visita pra trabalhar na indústria, ou imitando o cinema hollywoodiano… cada um se expressa honestamente em seu trabalho. Isso cria muitas vertentes estéticas, artísticas e ideológicas.

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Parte II: “O cinema nordestino é o que tem de melhor na produção cinematográfica contemporânea”


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