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Joana Bê
Não sentia calor nunca. Sabe aquela sensação na epiderme, que vai penetrando de pouquinho o corpo até cada centímetro dele parecer a ponta de um cigarro? Vivian não sentia. Nunca. O frio era costumeiro, quase sempre com blusas de manga mesmo morando em uma cidade com a temperatura média de 30 graus.
Vivian era acostumada a não suar, a não desabotoar nenhum botão da roupa, a usar calças em domingos à beira da piscina. Acostumada com isso, não entendia ao certo os rostos ruborizados pelo calor que as pessoas às vezes exibiam. Era como se todas as pessoas estivessem sempre a um milésimo de segundo de atingir algum tipo de êxtase e como se ela nunca conseguisse sair da mediocridade das coisas banais invariáveis do dia a dia.
Já havia tentado. Praia, sauna, sertão central. Vivian sempre tinha a sensação de estar permanentemente dormindo aconchegada, temperatura corporal de rede na varanda de uma casa na serra. Depois de um tempo desistiu de pensar nisso, mas vez por outra, ao ver um pingo de suor escorrendo de uma testa dentro do ônibus ou alguém com um pedaço de papel se abanando no trabalho, sentia quase inveja. Nunca algo tinha lhe feito passar a mão na testa.
Depois de conhecer Ingrid, no entanto, Vivian voltou a pensar nessa sua condição peculiar com mais frequência. Ingrid estava sempre com grandes decotes e reclamando do imenso calor que sentia. Como eram colegas de faculdade, passavam pouco tempo do dia juntas, já que Vivian tinha que ir ao trabalho logo depois. Mesmo assim sentia como se sua amiga ocupasse muito mais tempo em sua cabeça.
– Vivian, tira essa blusa. Você deve tá morrendo de calor! – Ingrid disse quando, em uma tarde de sábado, Vivian tinha ido até a sua casa para que terminassem um trabalho. – Estamos só nós duas, não tem problema.
Vivian não queria dizer que não sentia nenhum calor, ainda mais com a visão de Ingrid só de top andando de um lado por outro. Tirou. À mostra, um sutiã preto de pano normal, sem adornos, enchimento e essas coisas que ultimamente se usam.
Depois de todo aquele caminho tortuoso que leva duas pessoas a se tocarem, Vivian ainda parecia surpresa com a mão de Ingrid escorregando entre o caminho do pano com a pele. Pequenas pontadas de ardência começaram a aparecer em alguns lugares do corpo, se espalhando aos poucos. Seria uma gota de suor que se formava no seu pescoço? A boca começou a aquecer, liberando um vento morno que começava a desenhar gemidos.
Com dois dedos enfiados entre suas pernas, Ingrid diz: “nossa, que quente!”.
Vivian sorriu por meio segundo, já que sua boca mudou de forma rapidamente, no ritmo dos dedos de Ingrid.
No trabalho, todo mundo estranhou quando Vivian chegou na segunda pra trabalhar: blusa de alcinha, saia e reclames sobre a temperatura do ar condicionado. Ontem comprou um leque.
Joana Bê é historiadora, acredita em luta de classes, mas não acha astrologia besteira