Sobre violência



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(Foto: Viviane Pinheiro)

João Ernesto

Fortaleza, junho de 2013.

Depois dos acontecimentos violentos durante a tarde, próximos ao Castelão, o ocorrido com Levi foi o que mais me chamou atenção para o nosso preconceito com a população mais desfavorecida. Levi recebeu um tiro de bala de sal, enquanto assistia ao jogo da seleção com os moradores da localidade onde reside, até começar a correria causada por policiais caçando manifestantes. Foi em uma das humildes residências próximas de onde o grupo que eu estava ficou abrigado e cujo proprietário nos acolheu como um pai acolhe seus filhos. Levi não foi atingido por acaso, onde ele mora a polícia muda toda ação. O sangue e a cápsula da bala jamais vão condizer com a ação policial. Uma triste coincidência: o nome da rua é Dr. Pedro Rocha, nome do jornalista alvejado no rosto por uma bala de borracha no começo dos confrontos. O ocorrido nessa localidade me fez pensar em toda nossa condição de fortalezense e nos reais valores que queremos sustentar para o nosso futuro e para o da nossa cidade.

Nosso modo de vida nos faz pensar que é da pobreza que nasce a violência e o crime, mas é conhecendo essas localidades que podemos ter uma leitura mais crítica do que é um olhar violento sobre Fortaleza. Da violência que é não enxergar o próximo de uma forma horizontal pela simples condição financeira. Como quando não buscamos sentir minimamente a dor que eles sentem no cotidiano. Levi não estava presente nas manifestações, estava assistindo ao jogo com os amigos. O seu vizinho não tinha nenhuma obrigação de nos acolher em casa, de nos oferecer água enquanto sua filha estava aos prantos sem compreender o que acontecia ali. O vandalismo tão pautado pelos canais de televisão não é só resposta à truculência policial, é resposta também a uma cidade e uma sociedade que está cada vez mais sem alternativas, que acha que a violência vem de lugares e de momentos tão pontuais.

O sangue de Levi não derramou só naquela tarde. Faz muito tempo que esse sangue derrama, um rio de sangue. O sangue de Levi também mancha as mãos de cada policial que opera abordagens desnecessárias, causando feridas e abrindo precedentes pra uma luta tão maior quanto a dessa quarta-feira. O sangue de Levi mancha as mãos de cada jornalista que unta uma fôrma de um bolo macabro que coloca tanto pobre contra o seu próprio lugar de convivência com programas diários, como uma fórmula estapafúrdia para a audiência. Hoje, vi jornalistas que cobrem esses acontecimentos policiais nas periferias com um sorriso cínico quando hostilizado pelos manifestantes. Sorriso de quem parece estar sendo incompreendido, pois estava do lado das manifestações. Compreendam jornalistas, policiais e classe média: o confronto de hoje não começou naquela tarde e nem vai terminar quando os barulhos das bombas cessarem. É muito maior e só vai começar a ser solucionado quando a gente perder o medo e questionar os reais valores envolvidos nessa violência. A lei da maioria não pode ser a máxima de uma democracia que não garante calçadas decentes aos seus moradores e nem acesso livre às ruas. Parafraseando um cartaz presente hoje na manifestação: “um país rico não é onde um pobre tem um carro. Um país rico é onde todos podem andar a pé”. Seja por não mais temer assalto, ou seja por não temer uma polícia repressora e estúpida.

João Ernesto acredita que as reticências ainda querem dizer muita coisa…


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