Sobre o amor e a rua



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(Foto: Reprodução)

Por João Ernesto

Há muito o questionamento convida mais ao debate do que as afirmativas. O texto é um convite, um saco cheio de questões e pensamentos sobre o que entendemos como rua

De um ponto a outro da cidade o caminho que percorremos é o atalho da preguiça, ou o caminho atento aos detalhes. Na rua encontramos o que não se espera, acontecimentos e paisagens difíceis de rotular. Qual sentimento você carrega na sua sacola? É abuso, cansaço para sentir a rua? E predisposição para as surpresas? Estamos sujeitos a aceitar qualquer tipo de publicidade na rua como normal, mas se alguém balançar uma lata de spray perto de um muro os olhos se voltam com desaprovação e um sentimento de ódio se instala entre quem enxerga e quem arrisca… a menos que seja um grafite-arco-íris, como se a arte só pudesse ser paliativa, comprimido placebo pra uma cidade cinza. O pragmatismo é muito pouco sentimento para a rua, não abarca sentimento como o amor, não traduz, se espreguiçando sobre a imagem isolada do outro. O pragmatismo é um apartamento, o amor é a Rua que habita dentro de nós.

É certo mesmo tomar as ruas de assalto em benefício a um produto ou uma empresa? Quantos prédios históricos terão que ser derrubados em prol da famigerada especulação imobiliária em Fortaleza? Quantas árvores centenárias terão que ser derrubadas? Quantas memórias não temos e nunca vamos ter pelo fato de que elas simplesmente foram engolidas pelo tempo e pela ganância contida nessa pressa em tentar modernizar essa Fortaleza? Nos períodos de pré-carnaval e carnaval é um oba-oba só por conta da ocupação pelas pessoas, mas durante o resto do ano é cada um com seu olhar fixo e seu andar apressado. Durante o resto do ano é aquela preguiça em frequentar esses espaços, muitos com medo, outros tantos com a fadiga típica de quem precisa estar cercado pra se sentir seguro. Claro que existe uma parcela que se joga na maravilha que é sentir-se livre na rua, mas convenhamos que ainda é uma parcela muito pequena, imersa em uma população que tá mais preocupada em exibir os tostões na tentativa de demonstrar uma felicidade que não tem.

Chão de estrelas

Olhar os morros durante a noite e perceber quantas luzes estão acesas, quanta gente habitando ali, formando um grande chão de estrelas. Nos prédios enormes das construtoras veem-se pouquíssimas luzes acesas nos apartamentos, poucas vidas naqueles falos de concreto que rasgam o céu. E o espaço é de quem? E a ideia de rua que vamos deixar pros nossos filhos? E o amor vai ser um sentimento pra gente ter nostalgia, que vai depender de uma cartilha como se portar perante o sentimento desconhecido. Nesse momento a “paixão” vai ser uma palavra que entrou em desuso e o pensamento não vai dar mais nome à loucura, castrada. A visão apocalíptica esbarra na utopia do amor e o que fazemos por ele. Fortaleza continua esse anseio de rua, mas as atividades são pontuais. As crianças da Aldeota não sabem o que é viver a rua em um domingo como em Belém do Pará. Vivemos no carnaval uma ressaca de longos dias sem a rua fazer parte do nosso cotidiano e ao redor das nossas casas vemos uma sensação de quase abandono no resto do ano. E a cidade vai ficando a passeio automotivo, como se os pontos de partida e chegada já excluíssem o caminho.

 

“O viajante era um cara que ficava viajando de um lugar pro outro lugar

Sem parar

Até que um dia ele começou a viajar

De um lugar para dentro daquele mesmo lugar”

(Jorge Mautner e Zé Ramalho – Negros Blues)

 

O viajante de Mautner passou a ensejar descobrir novas cidades e novas ruas por onde ele sempre passou. Buscar propor novas concepções é uma constante para o viajante, o que faz a cidade sempre se encontrar na iminência de uma ocupação mais intensa. Se é carência o sentimento que temos em Fortaleza, a gente estende essa situação para o nome da cidade. A metáfora de cada cidadão levantando suas fortalezas é um problema que vemos e naturalizamos. A cidade que queremos não se arquiteta na cabeça, não se aquieta na utopia. É nossa subjetividade junto com toda a subjetividade das ruas. Todas suas histórias, todos seus personagens que carregam suas vivências nesses espaços, daí que trazemos nossos afetos. Não lembro ao certo quando foi meu primeiro banho de chuva, mas algumas ruas guardam sentimentos intensos e lembranças de banhos divertidos. Lembranças que guardamos com um amor espacial. Como manifestar esse sentimento de amor nesses espaços? Propor novas ocupações é só o início para que nossa fortaleza seja a rua e compreender que a Rua é a nossa Fortaleza. Faremos da nossa cidade o contrário do que tentam vender como Ela.

João Ernesto acredita que as reticências ainda querem dizer muita coisa…


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