Seleção de Autores da Literatura Brasileira



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(Ilustração: Levi Noli/Revista Berro)

Logo após ter sido publicada na revista literária Athena, Porto-Portugal, a crônica “As seleções musicais brasileiras de todos os tempos”, num domingo de feijoada em seu Instituto, diante da diretora Maria Eugênia Stein, o citado presidente da Confederação Brasileira de Música Popular (CBMP), Ricardo Cravo Albin, desafiou-me a escrever outro artigo, só que desta vez sobre a Seleção de Autores da Literatura Brasileira, do Barroco ao Pós-modernismo, convocando os maiores poetas e prosadores tupiniquins de todos os tempos, que poderiam representar o País do Carnaval e do Futebol, na fictícia Copa do Mundo das Letras, a ser sediada no Catar, em 2022. Como missão dada por um mestre da cultura nacional deve ser cumprida à risca, iniciei-me diante da árdua empreitada de convocação do escrete masculino, levando em consideração o conjunto da obra de cada autor, no decorrer dos séculos de formação do espólio estético de âmbito literário, em diálogo com o percurso intelectual destes representantes da Seleção Brasileira de Escritores.

A partir desta concepção e pesquisa, decidi-me pelo criterioso Antonio Candido de Mello e Souza, para o cargo de treinador desta seleta equipe verde, amarelo, branco e azul anil, tendo como auxiliares-técnicos: o sociólogo supremacista Gilberto Freyre; e o tecnocrata concretista Haroldo de Campos, que, em razão da capacidade de exegese e hermenêutica, decerto em muito contribuirão no processo seletivo da convocatória pátria. De modo que se designasse, por intermédio de precisão cirúrgica, eis o seleto time dos seus onze titulares e os seus respectivos suplentes, que, destarte, compõem a Seleção Canarinho de Autores Brasileiros, com os seguintes 26 integrantes escritores no Mundial Literário do país asiático.    

Goleiros:

Manuel Bandeira (1); Aluísio Azevedo (12); Gregório de Matos e Guerra (22);

Zagueiros:

José de Alencar (3); Raul Pompéia (14); Graciliano Ramos (4); Ariano Suassuna (15);

Laterais:

Euclides da Cunha (2); Lima Barreto (13); João Cabral de Melo Neto (6); Augusto dos Anjos (16);

Meio-Campo:

Carlos Drummond de Andrade (5); Antônio Callado (17); Guimarães Rosa (8); Lúcio Cardoso (18); Machado de Assis (10); Raduan Nassar (19); Milton Hatoum (21).

Atacantes:

Nelson Rodrigues (7); José Lins do Rego (23); Jorge Amado (9); Castro Alves (20); Ferreira Gullar (25); Mário de Andrade (11); Oswald de Andrade (24); Jorge de Lima (26).

 Na entrevista coletiva, o teórico-pragmático Antonio Candido respondera a cada indagação dos repórteres de plantão (leia-se: críticos especializados e leitores de um modo geral), a respeito das perspectivas estratégicas do selecionado da nação de chuteiras, como diria o polêmico e insubstituível ponta-direita Nelson Rodrigues, o Garrincha Pornográfico. Não obstante, quiçá seja de bom alvitre registrar que a comissão técnica era composta ainda pelo chefe de delegação, Tomás Antônio Gonzaga, o Dirceu; pelo preparador físico, Paulo Leminski; pela psicóloga, Clarice Lispector; pelo médico-ortopedista, Joaquim Manuel de Macedo, carinhosa e sarcasticamente chamado por Candido, de dr. Macedinho; e pelo vete-fisioterapeuta Gonçalves Dias, autor do hino nacional intitulado “Canção do Exílio”.       

Questionado, o marxista-dialético Antonio Candido principiou a sua explanação ao discorrer sobre a titularidade do defensor do arco da meta, o menestrel Manuel Bandeira, contestado por parte da crítica acadêmica por seu passado parnasiano; e, sobretudo, pelo presente de pouco fôlego, em razão “das febres, hemoptise, dispneia e suores noturnos” oriundos da Pneumotórax. Todavia, o circunspecto e auspicioso mister assegurou que Bandeira era craque de fina estirpe e se encontrava em plenas condições de jogo, apesar da “escavação no pulmão esquerdo e o direito infiltrado”. Logo, a camisa 01 seria do arqueiro pernambucano nascido em Pasárgada, tendo como suplente imediato o corticeiro à Zola, Aluísio Azevedo; e, em terceiro plano, o conceptista Gregório de Matos e Guerra, o Boca do Inferno.

Na lateral-direita, sem dúvida, o determinismo profético-vocabular do repertório de Euclides da Cunha fora fundamental para relegar ao banco de reservas o polêmico e raçudo Lima Barreto, que adquiriu o mau hábito boêmio de escapar da concentração, em companhia dos já cortados Vinícius de Moraes e João Ubaldo Ribeiro. Na zaga central, o lúcido-austero José de Alencar, que, por sua atávica e incontestável liderança, assumiu a braçadeira de capitão da equipe, para formar uma zaga de responsabilidade, com o sisudo e taciturno Graciliano Ramos, que, sem gorjeios, babilaques ou firulas na grande área livresca, suplantara na quarta-zaga o erudito pantomímico e cordelista Ariano Suassuna, assim como Alencar o fizera com o subestimado Raul Pompéia, o Ateneu. Quanto à lateral-esquerda, o auxiliar-técnico Haroldo de Campos explicitou que a opção pelo diplomático João Cabral de Melo Neto se dera, em detrimento do cientificismo hipocondríaco de Augusto dos Anjos, pelo simples fato de que o canhoto Graciliano Ramos se entenderia, por música clássica, pelos flancos oblíquos do gramado, com o magnífico autor de Morte e Vida Severina.

No interregno, a dupla Graça-Cabral seria protegida pela cobertura do gauche Carlos Drummond de Andrade, cracaço a destilar a fina flor da poesia, apesar dos 90% de ferro na alma itabirense. Neste exato instante, o étnico-estrategista Gilberto Freyre ressalvou que, como o meio-de-campo é o cérebro do time, o staff deliberou que a meia-cancha do selecionado brasileiro, ocupada por este magistral cabeça de área Drummond e o seu substituto imediato, o kuarupde Antônio Callado, seria complementada pelo dadivoso alquimista do vocábulo, d. Guimarães Rosa, meia-direita neologista que, fabulosamente, ofuscara o introspectivo e injustiçado Lúcio Cardoso, que contava com a predileção da psicóloga Clarice Lispector. Na meia-esquerda, o sagaz Antonio Candido escalou o gênio da raça, camisa 10, dono do time e da pelota, o Pelé das Letras, o extraordinário e genial Machado de Assis, secundado pelas hábeis promessas, Raduan Nassar e Milton Hatoum, que estão sendo preparadas para a Copa de 2026, na América do Norte.

Neste ritmo de jogo, a proposição do chato-boy Candido houvera de ser que o trio Drummond-Rosa-Machado, com mui eficácia e inteligência, municiaria o ataque do selecionado brasileiro, composto pelo azougue Nelson Rodrigues, o Shakespeare das pernas tortas; pelo esplêndido centroavante-goleador Jorge Amado; e, na ponta-esquerda, o versátil macunaímico Mário de Andrade, representante da Paulicéia Desvairada. Quanto aos reservas convocados para a linha de frente da Seleção Brasileira de Escritores, o concentrado Gilberto Freyre explicou que os reservas subsequentes do inventivo Nelson Rodrigues, que criara o drible batizado de ‘vestido de noiva’, eram o engenhoso extrema-direita José Lins do Rego; e o artífice-místico Jorge de Lima, assim como a suplência do artilheiro Jorge Amado seria ocupada por outro baiano de talento, o libertário Castro Alves, ao passo que o polemista Haroldo Campos ressalvara que, na extrema-esquerda, o regra-três natural do polivalente Mário de Andrade era o ponta de lança Oswald de Andrade, assombrado pelo ambidestro Ferreira Gullar.     

Enfim, conforme o fizera na crônica anterior sobre a convocação dos compositores da MPB, peço encarecidamente que, sem o Fla x Flu da polarização de cunho bairrista, que os comentaristas fanáticos e corneteiros inconformados providenciem a convocação de sua própria Seleção de Autores Brasileiros, de modo que se habilitem a enfrentar, sem os vexatórios 7X1 de 2014, a Inglaterra do já citado Shakespeare; a França de Proust; a Alemanha de Goethe; os EUA de Faulkner; a Espanha de Cervantes; e o coirmão Portugal de Pessoa, o CR7 das letras lusíadas.  

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Wander Lourenço é pós-doutorado em Estudos Comparatistas da Universidade de Lisboa; Doutorado em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense (2006); diretor dos documentários “Carlos Nejar – Dom Quixote dos Pampas”; “Nélida Piñon, a dama de pétalas”; e “O Cravo e a lapela – Cinebiografia de Ricardo Cravo Albin”. Autor dos livros O Dramaturgo Virgem (2005); Com licença, senhoritas (2006); Iniciação à Análise Textual (2006); Literatura e Poder – Org. Lucia Helena e Anélia Pietrani (2006); O Enigma Diadorim (2007); Solar das Almas e outras peças (2008), Eu, psicógrafo – Teatro (2011), Antologia Teatral (2013); As aventuras da Bruxinha Lelé (2014), Dramatologia (2017); A lenda do Sabiá-Pererê (2019); Poesia (2020); Terrae Brasilis – Romance (2022).


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