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Comunidades, agricultoras/es, organizações da sociedade civil e pesquisadoras/es se encontraram em Santa Quitéria para refletir, debater e traçar linhas de ação sobre os impactos da mineração no Ceará.
(Fotos: Coletivo Urucum)
Por Thiago Silveira
Mariana, em Minas Gerais, teve sua história marcada para sempre com o maior crime ambiental do Brasil. Um rio de lama, uma imensidão de rejeitos de minério que devastou tudo que encontrou pela frente. Lama que afogou a vida dos animais, das plantas e a vida da gente daquele lugar. Vidas matadas e vidas marcadas com um marrom cor de terra que não sai na água. Não importa o quanto lave. Ficará lá, como tatuagem.
Isso não pode ser esquecido, é preciso reverberar cada vez mais. Mariana evidenciou as inúmeras tragédias já ocorridas e não publicizadas e outras tantas que podem ocorrer por todo o país. Vidas ameaçadas todos os dias por um único motivo: o capital em detrimento das pessoas, da biodiversidade, da vida.
Em Santa Quitéria, no sertão do Ceará, a 222 quilômetros de Fortaleza, onde o sol chega cedo e marca presença na pele dos desavisados, a ameaça da mineração é uma constante na vidas das pessoas. Lá, querem explorar fosfato e urânio. Mais uma vez, com o discurso do desenvolvimento a todo custo, como se o convívio com o semiárido já não fosse uma prova mais que prática do verdadeiro desenvolvimento praticado e necessário para a região.
Com o objetivo de articular cada vez mais o povo das comunidades que podem ser atingidas com esse projeto e que já estão sendo impactadas com outras minerações no estado, a Articulação Antinuclear do Ceará realizou sua III Jornada junto ao I Encontro Estadual do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM). Gente que se ajuntou para tensionar a não concretização da exploração da Jazida de Itataia, em Santa Quitéria e para estudar, partilhar e pensar estratégias de qualificação do debate e linhas de ação quanto aos impactos da mineração do Estado.
Roda de debates e partilha de saberes
Com a participação de aproximadamente 200 pessoas vindas de vários territórios e mais de dez municípios e um público predominantemente jovem, durante três dias, foram apresentados relatos, estudos e vivências de pesquisadores(as) e comunidades desenvolvidos ao longo dos últimos anos, tanto em Santa Quitéria como em Caetité, na Bahia.
Entre as rodas de conversa, uma análise de conjuntura feita na manhã do primeiro dia pela engenheira e militante social Soraya Tupinambá e por Antônia Ivaneide (Neném), do MST, ajudou a entender o atual contexto sociopolítico do Brasil. Além disso, foi apresentado um panorama sobre a “questão mineral no Brasil e no Ceará” com Charles Trocate, do MAM nacional; Raquel Rigotto, do Núcleo Tramas/UFC; Francisco Eufrásio, do Assentamento Morrinhos (Santa Quitéria); Cacique Lucélia Pankará, da Aldeia Serrote dos Campos (Itacuruba) e Francisco Pinheiro, do Sindicato dos/as Trabalhadores/as Rurais de Quiterianópolis.
“Eu venho da margem do Rio São Francisco, de uma cidade muito pequena, mas impactada por um projeto tão grande. Há cinco anos estamos na luta e não deixamos acontecer a construção da usina nuclear na nossa comunidade”, partilhou a Cacique Lucélia.
Na manhã do segundo dia de encontro, foi apresentado um painel de pesquisas sobre a ameaça nuclear, abordando dois eixos: “A construção social do risco de contaminação ambiental e humana dos trabalhadores/as da INB e moradores/as do entorno da mina de urânio em Caetité, Bahia”, facilitado pela professora Cláudia de Oliveira, da UFBA, e a “Construção compartilhada de conhecimentos – universidade, territórios e o debate sobre os riscos do Projeto Santa Quitéria”, debatido por Renata Catarina, do Núcleo Tramas/UFC. Houve, ainda, um momento de contextualização do processo de chegada da INB em Caetité e dos processos de resistência construídos pela Articulação Antinuclear Brasileira, espaço apresentado por Zoraide Vilas Boas.
Projeto Santa Quitéria
Proposto pelo Consórcio Santa Quitéria – firmado entre a estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB) e a Galvani Indústria, Comércio e Serviços S/A -, o Projeto Santa Quitéria pretende extrair urânio e fosfato da Jazida de Itataia, a maior mina de urânio do Brasil. O objetivo é produzir 1.600 toneladas de concentrado de urânio e 1.050.000 toneladas de derivados fosfatados por ano, destinados à geração de energia nuclear e à fabricação de fertilizantes e ração animal para o agronegócio.
Com 20 anos de vida útil, o projeto pretende transportar o concentrado de urânio através do Porto do Mucuripe (em Fortaleza) e, caso entre em operação, deixará pilhas de rejeito com material radioativo no Sertão Central do Ceará.
Uma das principais ameaças do empreendimento é o consumo intensivo de água, estimado em 911.800 litros por hora. Isso representa um aumento de 400% sobre a demanda do Açude Edson Queiroz, de onde se prevê transportar a água através de uma adutora.