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Por Thiago Noronha
Os banheiros são os cômodos mais sinceros de uma casa. Um banheiro diz muito sobre os usuários e suas rotinas. Pego-me a recordar, na manhã de uma quarta nada especial, dos muitos banheiros em que já estive.
Certa vez, mataram um homem dentro do banheiro de um bar na esquina da minha casa. Briga de bar, concluíram durante as incontáveis narrações do ocorrido. E, naquela época, em que a publicidade era algo tão rudimentar na periferia de Fortaleza, o “conta-reconta” gerou um movimento de curiosos que iam tomar aquela cervejinha no bar e entre um assunto e outro, olhar de relance a porta do tal banheiro. O bar acabou mudando o nome de ‘Bar Irmãos Peixoto’ para ‘Bar do Banheiro’. Muito bêbado metido a valente segurou xixi só para não se pôr à prova das tais histórias do banheiro assombrado.
Quando se ia mijar, tinha que dizer bem baixinho três vezes: ‘com licença seu homem do banheiro’. Se você cagava no banheiro, a alma do tal do homem te puxava para dentro do vaso pelas tripas. Talvez fosse verídico, ou talvez o dono do bar quisesse evitar entupimentos e apenas criou a história toda.
Uma vez, dividi apartamento com duas irmãs que compartilhavam um quarto. Impossibilitadas de encontros sexuais em suas camas, pela presença da irmã, não eram raras as vezes em que eu acordava pelos gemidos abafados vindos do banheiro. Era interessante e curioso. Sempre me perguntava onde elas se apoiavam para o sexo se tudo ali era sempre tão gelado, até que, em um momento epifânico, encarei a tábua de passar roupa inocentemente, e desde sempre, guardada atrás da porta do banheiro. Lembro dos tons alaranjados da almofada daquela tábua. Por muitas vezes a imagem dela montada no centro do banheiro me veio à cabeça.
” – Quem nunca transou num banheiro né?!… químico”
Um amigo muito estranho, muito mesmo, narrou-me, certa vez, todas as informações que ele sabia sobre os moradores da casa em que vivia: uma republica universitária. As marcas favoritas de camisinha de cada um. O ciclo menstrual das mulheres. A alimentação e saúde intestinal. A quantidade de vezes por dia em que o china se masturbava e jogava os lencinhos umedecidos impregnados de porra no cesto de lixo, deixando toda aquele cheiro de punheta alheia. O tempo que cada um leva para evacuar. As mudanças de perfume. Depilação. Uma das garotas toma banhos longos em dias tristes. Ele é muito estranho, esse meu amigo.
“- O que você está esperando de um sábado quando raspa o saco às 18:55?”
Lembro de, nostalgicamente, perguntar a minha mãe qual tinha sido o momento mais feliz que ela lembrava de ter tido comigo. Ela respondeu que foi quando eu era criancinha; em um banheiro.
A primeira vez em que eu aprendi a cagar no vaso. Veio nela todo o sentimento de que nunca mais precisaria trocar uma fralda na vida. Foi lindo e libertador, ela disse. Eu lembro que eu gostava de apertar a descarga, mas não alcançava. Aí ela me levantava no colo e dizia:
– Um homem deve se livrar das próprias merdas.
– Tchau merda!
Meu amigo, o estranho, até hoje dá tchau para a merda no vaso. Às vezes, distraído, diz ‘falou’ ou ‘até’, ‘valeu’, ‘é nós!’.
Na parte de trás da porta do banheiro da firma, frases motivacionais para você bater as metas. No banheiro da igreja, um questionamento em piloto vermelho: Deus existe mesmo? Na terceira cabine do banheiro masculino do terceiro andar da faculdade de história, uma frase rápida e direta avisa que o Paulo aparece todas as sextas-feiras às 20h e chupa até as bolas.
Um antigo colega de trabalho tinha o costume de ouvir tango enquanto cagava. Era interessante abrir a porta do banheiro da firma e ouvir toda aquela sofrência argentina vinda de um dos privados. Deve haver alguém por aí que caga ao som de Maiara e Maraísa. E gente que transa ouvido Roberto Carlos. Essa é a graça do mundo: tem de tudo.
Na firma, já se comentava do costume acústico envolvendo as cagadas do fulano lá. Ganhou o apelido de Gardel. O Gardel é um cara legal, mas tudo o que me vem à cabeça quando vejo uma foto dele no Instagram é o tango da defecação.
Encaro o espelho e seus inúmeros pingos de pasta de dente. O que o seu banheiro diria sobre você?
Thiago Noronha é administrador por profissão, aventureiro de coração, escritor por diversão. Um apaixonado e propagador da própria forma de ver o mundo através de palavras. Um louco. Um bom louco!
*Publicado originalmente no “Escambau“