O trocador



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Bárbara Braz

Dizer que a vida bonita, cheia de fervor é não conhecer a realidade in natura. Pode ser que um dia ela seja, pode ser que um dia ela já foi, mas hoje ela está longe de receber qualquer adjetivo relativo a cores, amores e paz.

Dizer que esse modus vivendi é normal é também não entender bem o que anda acontecendo. Posso estar sendo prepotente em querer determinar algo, mas o que percebo nos grandes centros urbanos ,de forma preponderante, é algo aterrorizador. Parece que a vida foi banalizada, assistimos a noticiários, vemos catástrofes e não nos assustamos mais. Que horror!! Não nos sensibilizamos mais com a vida do outro, do ser humano, de um irmão.

Tempos sombrios! Tempos fúnebres! Tempos arruinados! Tempos desumanizadores!!

Esse pessimismo intenso tem uma forte razão. Hoje ao chegar no terminal de ônibus, de longe vi a polícia e uma multidão reunida, logo presumi que havia acontecido mais algum crime truculento. Continuei a andar, perguntei o que de fato se passou, e a resposta foi imediata: “mataram o trocador!” E aí então veio um intenso aflito ao rememorar aquele jovem rapaz. Fazia parte da minha rotina e da de dezenas de outras pessoas. Sorridente, altivo, alegre, brincalhão, sempre fazia questão de falar “boa noite, senhora”. “Senhora!”, e eu sorria por achar engraçado; ele, jovem como eu, me chamava de senhora. Seguia. E voltava sempre a mesma hora, com o mesmo boa noite. Já era esperado.

Hoje, aquele rapaz, jovem, cheio de vida, não falará mais boa noite, nem bom dia, nem bom nada. Porque ele não poderá mais o fazer, e porque, na realidade, nada está bom! Nada está bom!

Ridicularizando mais a vida… quem não poderia faltar nessa multidão? Claro, lá estava um palhaço de capa preta, concretizando a banalidade de um ser, que já não tem mais valor, e que nunca talvez o tivesse – e esse ser não se resume ao rapaz, alarga-se ao humano.

Triste!! E o meu afeto reside uma vez que esse jovem não foi o primeiro, e de longe será o último. A forma grotesca em que nos sociabilizamos não permitirá isso. Enquanto uns gritarem de fome, e outros gritarem por lucros, lucros e mais lucros, essa patologia viral não cessará.

Hoje, meu coração ficou pequeno. Mas reavivou afetos, que muitas vezes, preferimos deixar de lado, pra que não nos incomodem sempre, pra que a vida não seja sempre uma dor. Hoje a vida mostrou a dor pra mim, mas felizmente é só hoje, mas pra grande maioria das pessoas – os “desvalidos do mundo” – ela não será, nunca foi nada para além disso. Dor!

Bárbara Braz é assistente social e vê muita beleza no sorriso de uma criança


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