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Eram cinco horas da manhã, me disseram. Por aqui, diziam tudo, por onde seguir a fila para o alimento, o remédio, alento. Com pressa, as mulheres entravam para o banho, eu, seguindo, observava as que eram ensaboadas inconscientemente pelas funcionárias pouco atenciosas. E se vocês amarrassem, ele? – respondia como se alguém perguntasse – Meu marido, aquele desgraçado! O chuveiro aberto, as mulheres se arrastavam pelas poças de acúmulo. Tudo é frio, eu que sinto, apesar da vergonha, há nudez, comum como os casos de violência em nossas vidas. A agressividade dos nossos muros, cinzas, é colorida em nossos relatos de dor, somos resistentes ao afeto, que quase nunca nos perturba por aqui. Os muros da prisão acolhem a nossa vontade de esquecer. As mulheres com punhos e pés amarrados me assombram, pois apesar de me sentir trancada no azul do meu uniforme, imagino o que poderia ser pior com pouca liberdade que me resta. Já era meio-dia, de que dia? Eu não suportava aquele frango, o remédio enjoativo aflorava o que era óbvio, mas eu não sabia explicar. Vontade de vomitar. Ao chão, reclamava, enquanto o balanço do meu corpo sobrevivia ao dopar perverso e químico que refletia nos meus olhos: Pra que que a gente bota filho no mundo se não pode criar? Com raiva, falei ao estranho, visita, eu odiava aquela que minha filha adotou como mãe. Eu era a mãe, até vó, não ela, não ela! As internações se sucediam, relembravam que eu jamais deveria voltar para aquele lugar, há muito tempo via outros rostos desfocados, mas com nomes conhecidos. Dona Antônia era moradora dali há mais de ano, ia ficando por não ter aonde ir, percebi que abandono não tem endereço, é anônimo, muda de número. Aquela senhora à tarde falava pouco, mas eu simpatizava com o seu silêncio, preferia a presença dela aos olhares invasivos das outras. O corredor triste, que levava ao quarto, ficava cheio apenas na hora do banho, repetindo mais uma vez. Repetição, repetição como as dores no corpo e na alma, um mato cheio de espinhos em um sol de meio dia, lembranças, ferimentos, é preciso continuar andando. Fila, banho, doutor, remédio, deitar-se no chão do corredor, esperar. À espera, dedico o silêncio do dopar-me, a quem serve esse silêncio? À noite, serve para os funcionários do inferno. O corpo grita, o grito incomoda, mas aqui só comove a quem há muito grita.
Dani Guerra é caminhante deste mundo. Conta histórias para tecer possibilidades.