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(Fotos: Davi Pinheiro/Nigéria)
Fortaleza, quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014. Enquanto a cidade vivia sua rotina cotidiana de metrópole, 350 famílias da comunidade Alto da Paz, no Vicente Pizón, eram despejadas de suas casas. Sim, expulsas, defenestradas, lançadas à própria sorte! Reitero: enquanto 350 famílias eram violentamente jogadas para fora de seus lares pelo Batalhão de Choque da PM, Fortaleza experimentava, como de costume, sua marcha diária de grande cidade: congestionamentos enormes, pessoas que se olham mas não se veem, que se veem mas não se falam, rotinas estressantes, miséria, violência e, para completar o quadro de terror, naturalização da barbárie. Esta é o retrato mais contundente e nítido do estado das coisas dantesco que vivemos. Enquanto centenas de pessoas estão indo dormir à míngua, embaixo de alguma marquise de viaduto, “a cidade não pára, a cidade só cresce, o de cima sobe e o de baixo desce. E a situação sempre mais ou menos, sempre uns com mais e outros com menos” (Chico Science & Nação Zumbi – A Cidade).
Não se pode normalizar uma situação absurda em que 350 famílias são expulsas de suas moradias. Ainda mais quando quem comandou a ação de despejo foi o Estado – no caso, a Prefeitura de Fortaleza, endossada pela Justiça (?); ação esta cumprida à risca pela Polícia, sempre ávida para iniciativas violentas – principalmente, se levadas a cabo contra o povo pobre, das favelas. O Estado? Ah, esse já sabemos: vai estar sempre disposto, prontinho para atender aos ditames do deus-dinheiro. Não me surpreende nenhum pouco que essa ação seja encampada no governo Roberto Cláudio. Não esperava algo muito diferente desse prefeito! Desde sempre, se mostrou aliado de primeira ordem de construtoras e demais empre$as sedentas por lucros em licitações público-privadas. Nunca me enganou! Na verdade, está apenas mostrando sua real face!
A justificativa da Prefeitura de que ali serão construídas 1.742 moradias para a população do Titanzinho, no Serviluz – e de que muitas das família despejadas serão contempladas com casas naquele conjunto no futuro não atende ao bom senso e ao respeito à dignidade humana. Sabe-se que o pólo habitacional será erguido para abrigar os moradores que serão, em breve, expulsos do Titanzinho para dar lugar ao projeto de ampliação e modernização do Porto do Mucuripe – mais um dos “benefícios” da Copa. O prazo para entrega integral do conjunto habitacional é de 18 meses: um ano e meio! Ora, e dessas famílias removidas, aquelas que não têm parentes próximos, aquelas que estão ao deus-dará, onde essas famílias vão viver durante esse tempo? Onde? A Prefeitura, na figura do prefeito Roberto Cláudio, simplesmente lavou as mãos e lançou-as à rua. Ajuda de custo de 100 reais? É pra rir ou pra chorar? Enfim, serão mais cidadãos morando nas praças, nas calçadas, dormindo em papelões, embaixo dos viadutos, disputando o almoço e a janta nos lixões com gatos e cachorros…
Não!!! Não podemos cristalizar essa barbárie como natural! Não podemos aceitar que enquanto uns têm casa, comida e cama para dormir, outros muitos nem sequer sabem onde irão dormir hoje. Pensemos nisso – e indignemo-nos! Ajamos por um outro modelo de vida em sociedade! Cada vez mais, o tecido social vai perdendo o sentido de solidariedade, de se colocar no lugar do outro, de pensar coletivamente. Embrutece-se dia após dia, apegado às aparências ilusórias do poder e do consumo do supérfluo – “na lei da selva consumir é necessário, compre mais, compre mais, supere o seu adversário, o seu status depende da tragédia de alguém, é isso: capitalismo selvagem” (Racionais MC´s – Mano na porta do bar).
Assim, ofuscada por valores completamente distorcidos, a sociedade vai se desconectando, gradativamente, da nossa essência humana gregária, coletiva! O habitus dessas metrópoles – a poeira invisível do tempo que repousa sobre o imaginário social/senso comum – é dotado de exclusão, marginalização e opressão. A barbárie é, então, vista como natural! Perde-se o sentir pela desgraça alheia. Aceita-se! “É, a vida é assim mesmo”, diz um deles. Não, não é! Não, não é! Resistamos, sempre!
Todo apoio à comunidade Alto da Paz e a todas as comunidades que sofrem processos semelhantes Brasil afora!
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Alto da Paz
Zetto Soares
Do alto
Não há paz.
Cidades espremidas apontam para o céu
Muros, vidros, cercas, carros blindados…
Nossa Cidade
Cada vez mais Forte
Cada vez mais violenta.
Do alto
Não há paz.
Só um Choque entre balas e pedras
Uma raiva despejada
Casas sem cor,
Homens de cores esquecidas
E a Cidade
Cada vez mais Forte.
[…]
A força legitima a violência do porvir
Máquinas removendo o tempo
Vidas dismilinguidas
Negros, pobres, favelados… em troncos
Pagando a raiva mediana tributada
Soluções de políticas mascaradas
Em corpos marginalizados
– quinta capital mais desigual do mundo –
Cada vez mais violenta
– seis por cento da população detêm
vinte por cento de sua riqueza –
Cada vez mais Fortes
– nas vitrines da cidade, opções de felicidade –
Cada vez mais violentos
[…]
Mas
Do alto
Não há paz
E especulação não constrói laços
Por que então o alto?
Da paz
Cada vez mais forte.
Zetto Soares é poeta