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Por trás das montanhas aonde o Vento gostava de passear e o Sol repousava alaranjado no entardecer, havia um reino bem grande e diverso, abençoado pela Natureza, mas que tinha como rei o Dinheiro e como rainha a Aparência. Nele, havia um circo que, a mando das realezas, de dois em dois anos, percorria todo o território, levando entretenimento – ainda que ilusório – aos habitantes daquela terra. O circo era repleto de palhaços de todos os matizes, dos vermelhos aos amarelos, passando pelos azuis, roxos, verdes e laranjas. Os palhaços eram sem graça na maioria das vezes: quando tentavam fazer rir, não conseguiam, mas quando estavam sérios e prometiam melhorias para o circo, aí sim eram hilários. Os palhaços eram os representantes dali e cuidavam, com muito esmero, dos negócios do picadeiro – sendo acompanhados de perto pelos monarcas, que interferiam o tempo todo no andamento daquele circo. A turma dos leões, chimpanzés e elefantes, coitada!, vivia maltratada. Ao invés da liberdade, a jaula! Mas os palhaços faziam questão de dizer que nenhum dos bichos passava fome e estavam com as jaulas sempre limpinhas. Pão e circo!
Grande parte dos bichos que sofria os maus tratos achava que aquilo era normal, que num circo é isso mesmo: os palhaços dão as ordens e os bichos obedecem, ainda mais se estão sendo alimentados. Na verdade, os palhaços os queriam bem alimentados para que trabalhassem 10, 12, 14 horas por dia!
Outra parte dos bichos maltratados não concordava com aquela “palhaçada” – e pensava radicalmente que a única maneira de acabar com aquela malvadeza seria destruindo por completo o circo e libertando-se dali. Não sabiam ainda como, mas tinham certeza que enquanto existisse aquele circo não seriam, de fato, livres, pois os palhaços eram muito espertos e pareciam sempre tramar pelo controle eterno do picadeiro. Eram chamados de loucos e vândalos pelos bichos que achavam os maus tratos algo normal, e de sonhadores por outra parte dos bichos maltratados; essa também queria mudar as coisas por ali, mas dizia aos bichos “sonhadores” que não precisava destruir o circo, mas apenas trocar os palhaços ruins por palhaços bons, ou, na pior das hipóteses, que se um palhaço bom – representante dos bichos – estivesse entre os palhaços ruins, ele iria lutar para conseguir uma melhor alimentação pros bichos, ainda que estes continuassem enjaulados. Pão e circo!
Essa turma de bichos, que queria mudar o circo, mas não destruí-lo por inteiro, era uma das que, nessas andanças bianuais, trabalhava mais entusiasmada pela manutenção daquele espetáculo circense ilusório, sempre se aliando a algum palhaço – que dizia ser dos palhaços de boas intenções. Ora mais, um só palhaço com boa intenção no meio de uma palhaçada de más intenções não consegue fazer muita coisa senão acrescentar um pouco mais de ração aos bichos.
Passaram-se décadas, séculos e o circo manteve-se incólume às mudanças estruturais. De dois em dois anos, a mesma peregrinação pelos quatros cantos. Os leões, chimpanzés e elefantes continuaram aprisionados. Uma parte deles continuou dizendo que “é assim mesmo”, uma outra que “só destruindo o circo poderemos recomeçar nossas vidas”, ao passo que uma terceira parte diz que “agora vai!”, pois eles têm certeza que o palhaço da vez, representante deles, “vai trabalhar por leis circenses que ponham fim à exploração dos bichos”.
Alheios às aspirações de seus súditos, o rei Dinheiro e a rainha Aparência refestelam-se soberbamente em seus tronos, que não existem – mas todos no reino pensam que sim – e seguem convictos de que o circo, mesmo decadente mas cheio de pompa, é a ilusão mais real daquele reino e o melhor método para manter palhaços e bichos sob sua realeza!
A Natureza, mãe de todos os bichos – inclusive dos palhaços, do rei e da rainha –, “sabedora” e generosa que é, não interfere, pois abraça a liberdade de seus filhos e filhas. E segue sendo Natureza, sabendo que um raio de sol é encanto e a Aurora encantamento, mas não ilusões. Ela sabe que o brilho da lua é maior do que todos os reinos e do que todas as vivências e filosofias humanas.