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— Você é meu amante! Você tem que me comer! É pra isso que servem os amantes. O que é? Isso virou um casamento, é isso? A gente sai pra jantar, tomar um chopp e você não fala nada. Eu chego, você não nota. Eu corto o cabelo, você não comenta. Só falta a televisão com um jogão daqueles, aqui nesse quarto de motel que você arranjou. Nem em motel decente você me leva mais. Vamo, levanta dessa cadeira. Levanta! É pra isso que serve ter amante: Pra levantar. Pra levantar o cacete, pra levantar meu moral, pra levantar dinheiro do meu marido.
O quê? Você está indisposto? Meu bem, de onde você vem não te avisaram que amante não fica indisposto, nem gordo e nem faz greve? Ah, não? Pois estou te avisando. Vamo! De pau duro agora, que não tenho muito tempo. Tenho um trabalho para entregar na faculdade ainda hoje. Sabia que eu entrei para faculdade? Imagina eu… nessa idade? Mas eu pensei, se eu já tenho um amante por que não entrar pra faculdade? Acho que tem tudo a ver: amante, faculdade. Não quero parecer ultrapassada, entende?
Vamo! Tá demorando muito… Quer uma ajuda? Uma chupadinha, quer que eu dê uma pegada e tal? Quer? Não precisa ficar assim. Não, não estou pressionando, benzinho, mas veja bem. Quem paga aquele apartamento lindo e grande pra você? Quem compra suas roupas caras enquanto você se exibe pras gatinhas de bundinha ainda pra cima, mas que um dia ainda vai cair? Quem? A titia aqui. A titia não pede nada, só que você fique de pau duro pra ela. Só isso.
Vamo benzinho. Cresce pra titia, vamo. O quê? Não posso conversar com seu cacete? Por que não? A gente se conhece bem, somos íntimos. Ele me entende, ele até… me conhece por dentro…
Tá bom, não é hora de piadas, você tá certo. Mas e agora o que é que faço? Não posso sair assim e ir atrás de outro amante agora. Tem que ser você mesmo. Sabe aquela expressão? Se só tem tu, vai tu mesmo. Tá bom. Vou parar com as piadas. Mas você não me deixa muita opção, não acha? Já que você não vai me fazer gozar eu vou pelo menos gozar de você. Ai, fiz de novo, né? Tá, já parei…
Você realmente está sensível hoje. Nunca vi disso. Amante sentimental. Ainda bem que você não tá apaixonado por mim… O quê? Era isso que você queria me dizer? Você? Apaixonado? E por mim? Essa é boa. Amante apaixonado! Meu bem, eu já casei. E casar você só casa apaixonado. A paixão já passou, é verdade. Mas na minha idade não se arranja mais marido, de modos que fico com este mesmo que já tenho. Na minha idade sabe o que se arranja? Ou cirurgião plástico ou amante. Ou ambos. Mas eu prefiro amante. A-man-te. Ouviu isso? Eu não quero namorado, eu não quero marido. Eu quero AMANTE. Por isso trate de se desapaixonar e ficar de cacete pra cima. Não funciona assim? E como funciona? Já pedi pra você me dizer o que faço. Coloco um filme pornô? Pego um óleo de sabor amora? Tomar um banho juntos, quem sabe? Você gosta tanto dos nossos banhos!
Benzinho, vamos resolver isso logo. O tempo está passando, tenho que sair e ninguém me comeu. Vou chegar em casa, aborrecida, meu marido vai perguntar o que houve, me dizer que hoje estou um porre e o que eu digo a ele: – Ah, é culpa do meu amante que não me comeu! E não se preocupe. Se duvidar, ele até concorda comigo, que isso é um absurdo, um amante de pau mole. Isso chega a ser uma contradição. Amante e pau mole na mesma frase.
Enfim, querido, preciso ir realmente. Fique aqui sozinho no seu motelzinho de segunda pra pensar bem muito no que você quer fazer comigo da próxima vez que a gente se encontrar. Quero bastante safadeza que é pra tirar o atraso. Por hoje me resolvo no banheiro com uns brinquedinhos que ganhei das amigas que ainda estão vivas, se é que você me entende. Não entendeu? Elas estão vivas porque também têm amantes e não só maridinhos encardidos. Se bem que os amantes delas devem comê-las. O que não é meu caso. Não, não estou cochichando.
Não esqueça do meu pedido, tá? Já esqueceu? Safadeza, benzinho. Safadeza. Tchau.
— Alô. É da casa de acompanhantes do Mister Perfeito? Eu queria contratar um acompanhante. Sem tempo determinado, mas com urgência. Pra hoje, o senhor tem? É, estou com certa urgência. Ele tem boas referências? Huuum, com aquela atriz? Tá bom, então. O numero do meu cadastro é…
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Ayla Andrade é assistente social, cronista, contista e amante do cotidiano. Ela já publicou o livro Mais feliz dos silêncios (Editora Substânsia, 2014) e publicou contos em algumas antologias, entre elas Encontos e desencontos, Antologia Massanova e O cravo roxo do Diabo: o conto fantástico no Ceará.
Ayla Andradebse garante demais. Mulher Rocheda que escreve dando um tapa na cara da sociedade machista. Mulher pode Ser e Ter o que quiser. Pode Ter e Ser A-man-te!