(Ilustração: Rafael Salvador)

João Ernesto

Às vezes sou acometido por um enorme
sentimento de compaixão pelas pessoas.
Dentro dos ônibus a olhar pela janela
tanta coisa das suas vidas. Me sinto
imerso em um oceano de sonhos e desejos
apaixonados. Com monstros marinhos de
medo e expectativas não realizadas. Me
sinto parte, à deriva, sem nunca me
afogar, mas querendo enxergar muita
coisa ao meu redor; pra não virar presa
e com a certeza que a morte chegará
numa caravela sem assustar e tomará
conta do meu corpo como os portugueses
tomaram os dos indígenas… mas a
mente e a memória se expandirá? Quem
saberá?

…

Eu sou um passarinho que por ter a asa
quebrada
Desaprendeu a voar bem alto
E agora passarinho tá se acostumando
A viver com o pé no chão e a cabeça na
estrada.

…

Faz um mês que assumi meu lado
míope. Pelo menos por um tempo
decidi parar de fingir que não
tinha deficiência alguma e posso
dizer que solucei no cinema, me
emocionei no teatro, caí no choro
no meu quarto. Talvez por isso de
não ter a lógica da visão ao meu
lado, fiquei fadado a me apegar a
algo mais do que esse modo
embaçado de enxergar. Inclusive
passei a me sentir seguro próximo
a certas pessoas.

*Notas de rodar pé é uma série de zine do berrador João Ernesto, distribuída pelas ruas de Fortaleza e publicada na Berro. Imprima notas de rodar pé# 2, monte no formato zine e compartilhe com os amigos. 

João Ernesto acredita que as reticências ainda querem dizer muita coisa…