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Por Jardson Remido
Ontem conversando com a minha companheira sobre os amargos que passei nas grades insalubres do sistema socioeducativo inútil, discorri sobre a união, o agregar, o repartir. Falei quando fui pra tranca onde só tinha uma pedra – local onde os internos dormem, onde a estrutura se parece mais um túmulo – pra dez elementos. Nos interlúdios da madrugada, os semelhantes alternavam os locais onde descansavam, iam dois pra pedra, e os demais se deitavam no chão molhado, imundo. Alguns deitavam perto do banheiro, a privada, que chamamos bojo, era no chão, onde os ratos faziam integração de cela em cela usando o buraco da privada como canal de ligação. Um interno foi mordido por um rato, na orelha, com risco de adquirir leptospirose. E eu peguei uma impingem na região das pernas.
Acordávamos quatro da matina pra tomar uma ducha rápida com duração rígida de um minuto. Voltávamos pra cela, e nos enxugávamos pulando até secarmos. A gente tinha que esperar o chão secar, pra gente deitar. Deitávamos um perto do outro pra produzir calor. Nossa merenda era água suja, o almoço às 11h e a janta às 19h. Depois disso era troca de ideia, pra nos conhecermos, formar e fortificar vínculos. Depois de dois dias, subi pra ala mais “saudável”, e não recebi visita da minha mãe durante esse período de crise existencial. Na minha compreensão, ela não tinha estruturas emocionais e psicológicas de me visitar. Fiquei depressivo, chorei, um cara que não conhecia e nem sabia o nome chorou comigo. Lia livros paradidáticos que pegava escondido e uma bíblia empoeirada. Fazia artesanatos. Comia 6, 7 vezes por dia. Meus semelhantes fortaleciam, me doando lanche extra, recheados, doces, refrigerantes. Doavam desodorante, colchão, roupas e escova de dente. Na hora da merenda, que a gente promovia antes de dormir, a gente repartia a risca, bem certim, ali era o comunismo na prática e não sabia eu.
A gente escrevia, cantava RAP colado na grade. Orávamos todos juntos. Nosso patrimônio era a Fé. Me identificava com os demais, me via em cada semblante portador de olhar indefinido e sorriso cicatrizado. Minha saúde mental estava em estado muito delicado, mas graças a Deus que me presenteou com meus semelhantes, fui resistindo, eles me faziam companhia, oravam por mim, se preocupavam comigo, perguntavam se eu já tinha me alimentado. Aprendi muito valor, muito conceito, aprendi que somos um organismo, a união. Quando ganhei o ofício de soltura, muitos se emocionaram, resmungando saudades e reivindicando me ver fora do crime. Enfim. O que quero trazer é que no presídio o comunismo é mais legítimo do que na universidade. E a verdade está do lado dos oprimidos. Deus pôs a poesia no meu caminho, pra não atravessar o do playboy gritando o assalto, dando tiro. Amém? Amemos!
Jardson Remido é poeta marginal, de rua, trocou a quadrada na cintura pelo livro na mochila