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(Pintura: Viktor Sheleg)
Por Vanessa Dourado
Pesava tanto. O pior era ter de aguentar as pessoas perguntarem se ela era crente. Aquilo a deixava bastante chateada. Lembrava-se da época em que frequentou uma igreja evangélica que ficava perto da sua casa, a qual também ficava perto da casa da amante do pastor que morava na esquina.
Naquela época, aprendeu que o pecado era seletivo e que tudo era possível, até mesmo pagá-lo de forma facilitada e em várias parcelas. Assim ficava mais confortável pecar. Não sabia se era do conhecimento de todo mundo o fato de o pastor ter uma amante, se simplesmente fingiam não saber por conveniência, ou se era melhor pensar que não eram tão pecadoras as pobres ovelhas. Já que o Santo Ungido do Senhor pecava, o pecado dos menos condecorados não poderia ser assim tão grave.
Quando ela usava saias longas, aí é que diziam mesmo “Uma serva!”, mas, na verdade, ela usava saias longas para poder não usar calcinha. As saias longas, diferente das curtas, evitavam incidentes desagradáveis como os provocados pelos ventos inconsequentes que poderiam deixá-la constrangida na rua.
Mas o tema era perceber as leituras distorcidas. Ela ainda não tinha se acostumado, depois de tanto tempo usando os cabelos curtos, com aquela cabeleira toda. Pesava tanto.
Vanessa Dourado é poetisa e feminista latino-americana