Lovistori: relacionamento entre travesti e policial é história de amor em HQ



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(Ilustração: HQ Lovistori/Reprodução)

Drama levanta discussões sobre transfobia, gênero, violência, prostituição e identidade 

Uma história de amor improvável e repleta de tabus. Lovistori é a HQ que explora um drama romântico entre Sereia, uma travesti que ganha a vida na praia de Copacabana, e Paixão, um policial militar. Ambientado no Rio de Janeiro, o romance gráfico noir desnuda uma “cidade cartão-postal” que engole e tritura a vida de seus habitantes, mascarando toda a opressão que sua beleza esconde. 

Lovistori é uma HQ que traz à luz a temática LGBTQIA+ em uma narrativa que levanta discussões de questões fundamentais relacionadas ao momento histórico atual, como gênero, racismo, identidade, transfobia, violência das ruas, violência das instituições e prostituição

A trama se passa no dia do aniversário de casamento de Sereia e Paixão. O traço do experiente Alcimar Frazão dá vida em tons de preto e branco às 80 páginas da narrativa concebida por Lobo, roteirista da história. “Partes dessa história eu ouvi de uma travesti enquanto juntava as informações para escrever Copacabana. O relato me impressionou tanto, que achei que valia um voo solo. Mas o roteiro ficou lá, pegando poeira no meu HD”, conta o editor que, em 2009, já havia se aventurado em outra HQ pelas ruas do Rio de Janeiro, Copacabana, escrita por ele e desenhada por Odyr.

Para inspirá-lo na missão de dar rosto e corpo a Sereia e Paixão, Alcimar Frazão busca referências em pessoas reais. Para ele, usar pessoas próximas, amigos e amigas como inspiração, ajuda a construir personagens mais reconhecíveis. Do ponto de vista da história, um dos aspectos mais importantes para o desenhista é como construir um partido visual que seja coerente artisticamente com o objeto do texto e com a história que será contada. Além disso, houve toda uma preocupação em como representar o cenário da história. “O Rio de Janeiro é uma cidade muito imagética e, como não sou do Rio, precisava encontrar um caminho para abordar essas relações. Neste trabalho em especial, o partido visual me veio por uma música do Caetano Veloso: Fora da Ordem, do disco Circuladô. Ela me deu uma sugestão de imagem, de construção, de relação com a cidade. De certo modo, a história foi se construindo a partir daí”, revela.

Frazão completa afirmando que Lovistori fala sobre gente viva, que quer seguir em frente e ter seu lugar. Fala de violências reais e diárias a que as pessoas estão submetidas para manter uma sociedade de aparência e hierarquia. Fala de amor e fala da sua ausência.

“Lovistori é um acontecimento sobre como a cidade molda os amores que ela abriga e que ela obriga. Conta a história de gente que quer viver sua vida, chegar até o final do dia. Como artista me interessa muito construir a partir desse lugar, de falar de nossa vida miúda, de seguir resistindo, tentando superar a cidade e sua forma de nos fazer sumir.”

A HQ tem os paratextos assinados pelas putafeministas Monique Prada e Priscila Fróes. Monique é autora do livro Putafeminista, onde expõe ideias que servem de base para o “putafeminismo”, um movimento que dá voz às trabalhadoras sexuais e fortalece a luta dessas mulheres por direitos e contra a opressão, sem que para isso precisem abrir mão de seu trabalho ou se envergonhar dele.

Sobre Lovistori, Monique acredita que o romance pode levar as pessoas à reflexão, sobretudo no papel das travestis prostitutas. “São corpos vistos como menos que humanos, ficção sugada da realidade diária. Mulheres que não foram feitas para o amor, mas para o gozo às escondidas. Existências fadadas às esquinas escuras, com direito apenas a momentos de felicidade clandestina. O livro leva o leitor de volta no tempo, umas duas ou três décadas, à Copacabana de ontem – embora os preconceitos sigam presentes”. 

Já Priscila Fróes, artista visual e putafeminista, considera Lovistori uma obra com um realismo que pode parecer distante ao leitor cis. “Talvez uma pessoa cisgênero apenas acredite ser uma obra de ficção, mas não é ficção, é a realidade nua e crua que tanto é retratada na ficção que passa a ser mais real no mundo. Não é fácil ser Sereia, porém precisa ser tão difícil? A transfobia, o racismo, misoginia e corrupção de nossa sociedade estão escancarados nesta obra”, pontua.

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