Os meus olhos adolescem onde a casa começa



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(Ilustração: Lara Albuquerque)

A minha memória é uma escada
com o mar ascendente
O meu espanto por um triz
que não era espasmo
Num olho tenho o canto de um funeral
No outro o plasma das flores

O rigor do meu pensamento
dava para desenhar invisíveis
florescentes cerejas explosões

Os meus dedos têm dez dioptrias de impossível
E rugas vulcânicas
Sou um peixe às gargalhadas nas nuvens pálidas
Sou um trânsito caótico de decepções e belezas
ao som dos recém-nascidos a chorar o primeiro sangue
E os meus olhos adolescem onde a casa começa
e tocam as borboletas

Sou uma inundação de incêndios
nos sonhos felizes das pedras quentes
Sou a hora de ponta do vermelho
O sexo dos gatos no telhado do mistério
Um candeeiro triste por matar de choque
as próprias traças
Sou a janela aberta no espelho da porta fechada
A pungente alegria na escancarada compreensão
Sou um lençol lavado sacudido pelas mãos da criança
E as lágrimas do mendigo que todos somos
Sou aquela rua que desconheço e idolatro pela força possível
Sou de uma terra lembrada por anjos de anatomia completa
uma linha reta entre a paixão e o amor
E outra que se espeta à superfície das disputas

Sou a inveja do sangue pelas pétalas
O meu medo é uma tatuagem viva
a camuflar a cicatriz da infância
E os pedais da minha sorte rodam nas orelhas
onde o amor assobia

E tudo é tão belo ao mesmo tempo
sim
que eu podia jurar
que ontem
só de te olhar
ressuscitei
e um enxame de pássaros
entrou-me pela janela
e levou-me pelos ombros
ao princípio do princípio
onde simplesmente bastava
a expansão
pela expansão

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