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Meu filho usou o vaso sanitário pela primeira vez. Já tem tempo que ele avisa quando suas necessidades fisiológicas estão a caminho. Começou com ele aplicando leves tapas nas fraldas. Em seguida, os tapas foram acompanhados da palavra “cocô”. Nunca “xixi”, sempre “cocô”. Talvez, por julgar que a urina é um incômodo muito mais fácil de ser resolvido, ele nunca alertou sua chegada. Em contrapartida, as fezes sempre foram recebidas com as típicas palmadas na fralda que, tão logo aprendeu a falar, passaram a ser acompanhadas pela palavra “cocô”.
Acho surpreendente que uma criança de dois anos avise que a merda vai acontecer. Mas gostaria que ele fosse capaz de premeditar aquele tipo de merda que não se resolve com um simples trocar de fraldas. Seria muito útil ter um oráculo mirim debaixo do meu teto, premeditando as cagadas da vida. Eu abriria a geladeira para pegar mais uma cerveja e ele bateria na fralda, sinalizando que meu grau de alcoolismo já passara dos limites. Eu pensaria em soltar alguma piadinha para sua mãe durante o almoço e ele bateria na fralda, avisando que talvez não fosse uma boa ideia, considerando que ela acordara com enxaqueca. Isso seria útil, principalmente, para evitar certos acidentes. Por exemplo, se ele tivesse batido na fralda antes de pular no colchão, provavelmente, eu teria evitado que meu dedo penetrasse seu olho num dos momentos mais tensos que já vivi.
Estávamos prontos para dormir. Ele brincava feliz e saltitante em cima da cama, enquanto eu arrumava as coisas para trocar sua fralda. Ele se desequilibrou e caiu. Na tentativa de segurá-lo, meu polegar entrou no seu olho com a agressividade de um soco. Na mesma hora eu senti que a merda havia acontecido e a palavra “cego” brotou em minha mente. Por que ele não bateu na fralda para avisar?, era o que eu me perguntava atônito.
Lá estava eu, de pé, em prantos, olhando meu filho estirado no colchão com as mãos no olho. Eu chorando lágrimas. Ele chorando sangue. Foi horrível. Sem sombra de dúvidas, esse é um momento que gostaria de apagar da memória. Eu e minha esposa corremos para a emergência e, após ser examinado, foi constatado que nada grave havia acontecido. “Foi uma lesão superficial”, disse a médica na tentativa de acalmar meus ânimos. “Só lesionou a parte branca do globo ocular. A retina está intacta”, sentenciou. O susto passou, mas o alívio durou pouco.
Dias depois, enquanto brincávamos no parque, ele se jogou do escorregador como um kamikaze em direção ao solo. Não fui capaz de evitar. O resultado foi um ralado na testa acompanhado de um galo similar a um chifre de unicórnio.
Minha esposa olhou para mim com semblante de reprovação e tudo que pude fazer foi abaixar a cabeça e lamentar porque ele não bateu na fralda antes de saltar.
Você deve tá me achando um péssimo pai e concordo com você em alguns aspectos. Mas, definitivamente, descuido não é um deles. Depois que meu filho nasceu, eu virei a pessoa mais precavida que você pode imaginar. Sempre que chego a um lugar, eu observo atentamente cada detalhe na esperança de premeditar todo tipo de desgraça que o ambiente pode proporcionar. Sequer embalagens de bala largadas no chão passam despercebidas (só quem já escorregou numa dessas sabe o risco que elas representam). Mas nada é capaz de evitar o desastre iminente. Quando se tem filhos pequenos, os acidentes estão sempre esperando o deslize certo para virem à tona. E eles vêm. Uma hora ou outra, eles vêm.
Se existe algo que eu aprendi com a paternidade é que, não importa o quanto você se esforce para manter seu filho ileso, ele vai se machucar, ele vai cair, ele vai sangrar. Merdas acontecerão sem que ele tenha tempo de bater na fralda e dizer “cocô”. É inevitável. Mas você precisa ter sabedoria para limpar a merda, trocar a fralda e seguir em frente.
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