0 Comentários
(Foto: Artur Pires/Revista Berro)
Por Washington Hemmes
Negros mares sem vida
da terra de qualquer um
onde pigarreiam as jandaias
e os construtores imobiliários.
Iracema foi-não-foi será que enquanto houver mares e areias e pedras de leito dáguas:
– Vi com estes olhos mesmos que haviam lido!
Ele, distraído, passeava pela praia, a tarde inteira, o Alencar. Garboso, riscava o chão em ondas contínuas que o seguiam, sedentas, mais a vara esferográfica.
A cena o fez parar e sentar e observar: a garrafa surgiu à sua frente, trazida pela maré fim-de-tarde: puxou-lhe a rolha e teceu a estória:
Trinta e um de março de dois mil e dezesseis, a noite como um televisor desligado, o casal aproxima-se do beira-mar. O quadro a que se assiste tem-não asa de graúna, mel em lábios etc. Jandaias pigarreiam, mais ela, com o bucho em sete meses apontando ao horizonte. Coxia de cigarro na areia, mais as roupas, corre ao mar desengonçada. Sunguinha de avolumar corações, ele: espada de guerreiro, nascido da dor. Feio e cabeludo.
Nágua, tem-se a impressão de ir-sem-indo. Beijos na boca, pós-tudo, pré-qualquer coisa, tempos outros, sem derramamento. Derrama-se, sim, o líquido viscoso entrepernas. Mistura-se ao óleo enegrado flutuante resistente à água, em inútil conspiração contra o amor. Secam-se as partes e o todo. Vislumbram abraçados espigões verti-horizontais. Estremecem de frio e medo entre as mãos de Alencar:
Os tranca na garrafa, o demiurgo: não seriam vida pelo próximo século e meio. Pelo menos até o televisor ser re-ligado e/ou o sol brilhar, sem graça, nas frondes da carnaúba multimídia.