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Chico Piancó Neto
Se as coisas são feitas para serem usadas e as pessoas para serem amadas, porque amamos as coisas e usamos as pessoas?
Involução. Palavra pouco mencionada nesta época da instantaneidade. Tudo muito rápido, prático, sem erros. Não vivemos mais o nosso tempo, vivemos o tempo das máquinas, que construímos para nos ajudar a perecer. Estamos preocupados demais em tentar domar esta tecnologia alienante, ocupados demais para notar que, enquanto seres humanos, estamos morrendo.
Retrógrado, ultrapassado, careta. Prefiro ser achincalhado por esses adjetivos a deixar de crer que ainda temos coração, emoção, que ainda podemos mudar esta realidade impactante com a qual nos deparamos. A falta de consideração com nós mesmos nada mais é do que um reflexo claro da sociedade alienada, massacrada pelo consumo desenfreado, de informação com valor nenhum que experimentamos, em tempo real, on-line.
Sem querer ser apocalíptico, nem pessimista demais, creio que o mecanismo que criamos está agora girando contra nós. Não precisamos ser máquinas, não nascemos pra isso. Nascemos para experimentar, para ser, para viver, para chorar, sorrir, emocionar e ser emocionado na medida em que vivemos com intensidade. Não precisamos desta busca desenfreada pelo mais rápido, melhor, mais desenvolvido. Esta falsa evolução sinaliza o caso clássico da criatura que superou o criador.
Somos controlados hoje por algo maior que nós mesmos, algo que perdeu o rumo há muito tempo. Resta saber se ainda temos a chance de vencer, de sairmos vitoriosos neste mundo à beira do colapso que elaboramos de forma doentia, sem medidas. Esquecemo-nos que o mundo é feito por nós, e que não merecemos ser subjugados, maltratados por situações absolutamente desnecessárias, em um sistema que prima por valores necessariamente deploráveis e mesquinhos.
Tenho pena de nós mesmos, tão fantásticos e pequenos ao mesmo tempo, tão emocionais e frios, numa ambiguidade sem fim. No dia que entendermos que a vida é única, rara e ímpar, apreenderemos a dar valor ao nosso ser, a todos, indiscriminadamente. Sem meias palavras, sem ofensas, sem câmeras para controlar, dispositivos para nos salvaguardar, ou manipulação disfarçada de opinião pública. É daqui pra pior, bem vindos à época do espetáculo sem alma, onde a imagem é tudo, mas o conteúdo é desprezível.
Chico Piancó Neto é administrador, escritor e poeta