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Talita Nogueira
Apesar do avançar das horas, o asfalto ainda respira o ar quente do meio-dia. Mãos ansiosas acenam numa ola triste de jogo. Desesperados e famintos os corpos se batem sem paciência alguma pra fila. Abre-se a porta. Embarcam naquilo que não é um barco. Fecha-se a porta. Cinquenta e seis sentados e trinta e dois em pé é o que diz a placa. Aquele ônibus azul é o próprio mar. Traga e empurra de volta pra sabe lá onde, sabe lá por que. Tá tudo ligado no automático. O motorista, o ônibus azul, o trocador, os desesperados…
Voam longe aquelas mentes desumanas, aqueles estômagos vazios e corações aflitos, que olham constantemente a janela, tentando enxergar algo, mas não conseguem ver nada ou nada através das janelas é importante, é relevante. Tá tudo ali dentro, todas as dores e os amores. Tiro o fone de ouvido para ouvir o barulho da noite, o barulho particular daquela ressaca noturna. Ela lê a bíblia desesperadamente. Desesperadamente ele explica ao telefone para a amada o porquê da demora pra chegar ao lar. Ele pede esmola desesperadamente. Desesperadamente ela pede o assento preferencial para gestantes. O desespero tem sede, tem fome, tem pressa.
Unhas quebradas, amores traídos, véspera de prova, parcelas vencidas, filhos doentes, idosos enfermos, cadeiras de rodas, canetas falhando, o almoço de amanhã, o jantar de hoje, os celulares chamando, a embriaguez de terça-feira, os viciados em drogas, os reabilitados, os conformados, os revoltados, a bronca do chefe, o desemprego, o sono do motorista, o cansaço de todos nós. Tudo ali, numa panela de pressão… Ao longe se ouve um tiro. A panela explodia dali a três quilômetros, na casa de dona Marilda; ela, sessenta e seis anos de idade, acabara de perder o filho com seis tiros à queima roupa, por dívida, por drogas, pela pressão da panela quente, por nós. Lá a mãe solta um grito dilacerante; aqui, nada. Não importa. O ronco do menino da cadeira da frente estronda mais forte do que qualquer tiro. Que tiro?
Talita Nogueira é poetisa com alma extraterrestre, autora do dinozes.blogspot.com, menina, nasceu por acaso e, por acaso, escreve e berra