Baticum: “A nossa essência é resistir à lógica capitalista que diz os lugares certos aonde você tem que pagar caro por acesso àquele bem cultural”



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Baticum
Foto: Divulgação – Zona Imaginária

Desigualdade não é apenas sinônimo de violência e pobreza. Quando se fala de cidade, a margem encontra barreira no caminho até o Centro. O carnaval, a festa, o passeio, a beira do mar, o teatro, a poesia, o rap, o reggae tem o limite da distância, da violência. A espera pelo ônibus que não para. O shopping é a alternativa.

Antônio Viana Rocha, Baticum por arte, responde com simplicidade a que destina a sua existência: resistir e reinventar a periferia para descentralizar o acesso à cultura na capital fortalezense. Ele conversa sobre arte e poesia que parte do Antônio Bezerra e encontra Barra do Ceará, Pirambu, Planalto Pici, Pan Americano, Serviluz e José Walter na troca entre poetas e artistas.

A entrevista surge de um convite-escambo para o lançamento do livro Por um Trilho: Memórias de resistência “nas quebradas”, como Baticum bem disse. O lançamento aconteceu em janeiro na Okupação do Antônio Bezerra, atividade cultural independente que, em abril, chega à sétima edição. O contato com uma periferia poeticamente emancipada dá diálogo e vontade de contar essa história. Aqui, apenas fragmentos dessa curiosidade.

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Que tipo de ações você desenvolve em Fortaleza?

As ações educativas que a gente desenvolve estão ligadas a cultura popular e tradicional essencialmente realizadas e desenvolvidas na periferia de Fortaleza em comunidades como Barra do Ceará, Pirambu, Pan Americano, Planalto Pici, Antônio Bezerra, Autran Nunes, Serviluz em bibliotecas comunitárias, praças, ruas, eventos culturais, associação de moradores, essas coisas assim.

Como tem uma base forte na cultura popular e tradicional, é bom porque a gente faz a difusão da nossa cultura popular que normalmente não é difundida, nem valorizada. Quando as pessoas têm esse contato, principalmente as crianças, elas ficam muito agradecidas por aquela pequena oportunidade de ver uma parcela da nossa manifestação artístico cultural.

Quais são os projetos?

Tem o percurso extenso que eu denomino Viver Maracatu, esse é o principal, tem uns quatro anos que a gente está desenvolvendo ele, já desenvolveu em lugares como Feira da Música, Grito Rock Fortaleza, Encontro de Cultura Popular, em Sobral também a gente já fez, seminário na universidade. As outras atividades estão ligadas a poesia e a performance que é o Baculejo Poético e o estado de poeta.

Como essa história começou?

No começo dos anos 2000, quando eu era presidente do grêmio estudantil da Escola Cândido Bezerra, no Antônio Bezerra. No movimento estudantil, a gente realizava diversas manifestações artísticas, sociais e comunitárias, a gente tinha uma ligação muito forte com a cena cultural do rock alternativo, underground e independente de Fortaleza.

Fomos um dos primeiros movimentos a fazer essa difusão, realizava o Zona Rock Festival e o Cachiblema Rock com bandas locais, principalmente ali no Antônio Bezerra que tinha um cone, aquela região ali. No comecinho desse período, a gente desenvolveu uma ação cultural no ciclo junino. Tinha a Quadrilha Junina dos Arrombados e das Arrombadas do Antônio Bezerra, a gente passou dois anos com essa quadrilha, no bairro e também onde a gente era convidado.

Por que ocupar, Baticum?

Existe um vazio cultural na cidade principalmente nas periferias de Fortaleza, nas comunidades, então a nossa essência é resistir a toda uma lógica do sistema capitalista que diz que tem os lugares certos aonde você tem que pagar caro por acesso àquele bem cultural. A gente vem para resistir, para tentar aproximar as pessoas também da arte que é realizada na cidade de Fortaleza. A essência é a resistência, e fazer com que as pessoas tenham esse contato com outro tipo de linguagem artística que muita gente não tem.

Nós só temos acesso aos bens culturais por meio da televisão e da internet e acaba fundido a vida dos outros, e a violência cresce cada vez mais e a gente fica mais dentro de casa, preso aos shoppings centers, esses lugares que são mais cômodos ou mais seguros na lógica do sistema.

A gente quer fazer um pouco do que tinha há alguns anos em Fortaleza, as pessoas irem para as ruas, ocuparem os espaços públicos, as ruas, as praças para gente tentar diminuir essa situação de violência que nós temos na cidade.

O bairro do Antônio Bezerra, por exemplo, parece ser um bairro calmo, mas, infelizmente, a atuação do tráfico de drogas é muito forte lá e a violência é muito presente. Quase toda semana tem um jovem sendo assassinado no Antônio Bezerra, Quintino Cunha e no Genibaú. Essa resistência é fazer com que as pessoas compreendam que essa miséria, essa desgraça e essa violência contra a vida das pessoas só vai diminuir se a gente, começar a tomar alguma atitude, ir para as ruas, ir para as praças e conversar com as pessoas.

 

A Okupação do Antônio Bezerra acontece toda segunda sexta-feira do mês (Foto: divulgação)

Eu vi muita criança participando. Como vocês envolvem a comunidade?

Acaba sendo uma tentativa de aproximação, o cortejo pela comunidade, o Antônio    Bezerra nunca foi de ter redes culturais abertas à comunidade, então acaba sendo um cortejo. Nós estamos cortejando as pessoas, a gente usa de várias estratégias: conversar um a um, com as famílias ao redor da praça, com pessoas que de alguma forma espalham a notícia pelo bairro. Quando a gente fala com as crianças, elas sempre falam para o pai, para a mãe, e assim atingimos mais público.

Também desenvolvemos pelas redes sociais, alguns panfletos para distribuir com algumas pessoas conhecidas, mas a maior parte da nossa divulgação é um cortejo presente, conversando com as pessoas, acostumando as pessoas a toda segunda feira do mês a estar com o evento, já é o quinto mês (fevereiro de 2017) que a gente está fazendo o evento na comunidade.

Esse é o primeiro mês que a gente vai sair da praça, vai descer e entrar um pouco mais em uma rua com situação muito difícil de violência. Hoje mesmo um rapaz foi baleado lá, que é a fronteira do tráfico entre o Antônio Bezerra e Autran Nunes. Vamos tentar fazer um cortejo maior com as pessoas, sensibilizar de alguma forma para essas ações culturais. Não em curto, mas em médio, longo prazo isso vai ter um impacto bom na vida das pessoas.

Como a programação do Okupa é construída?

Ela vem muito das nossas vivências, de projetos que a gente já vem desenvolvendo na cidade de Fortaleza, pessoas que são chegadas, que são amigas. A gente faz esse convite ou até mesmo em retribuição por algo que a gente já fez em algum evento.  Pelejamos há dois anos fazer um calendário de ações na cidade de Fortaleza realizado nas periferias.

As parcerias são realizadas quando já existe um contato antes, então acaba sendo o mesmo objetivo, são pessoas que já são acostumadas a realizar atividades nas periferias, e um acaba contribuindo com o outro. Pirambu, Barra do Ceará, Jangurussu, vários lugares na cidade onde acontece essa troca, não de favores, mas de atividades junto com os outros.

Por exemplo, eu estava agora no Sarau Mó Limpeza do Zé Walter, uma retribuição por que eles já vieram fazer duas vezes aqui no Antônio Bezerra, dezembro e janeiro, e a gente vai fortalecendo as atividades e vai atraindo a comunidade para participar das nossas ações. Nosso objetivo são as pessoas do lugar.

Elas só vão começar a participar, se elas sentirem, se elas estiverem presentes ali à distância e perceberem que está acontecendo algo diferente ali naquele momento, aí a gente vai atraindo para participar também para aquele espetáculo de teatro, de circo, qualquer coisa nesse sentido.

Que outras ocupações estão rolando atualmente na periferia da cidade?

Principalmente ligada a poesia e a literatura. Há quatro anos, não se pensava na cidade, não se ouvia falar em sarau em Fortaleza, de uns anos para cá, foi crescendo. Os primeiros a serem desenvolvidos foram o Sarau Vai dar certo no Planalto Pici com dois anos de atividade que, infelizmente, no ano passado, deixou de existir, o Sarau Corpo sem Órgãos no Conjunto Ceará que está sendo realizado na Casa Arcadiana ou em alguma praça.

Aí, tem o Sarau da B1 no São Cristovão perto do Cuca Jangurussu. No Zé Walter, tem o Coletivo MARC que faz o Sarau da Ocupação, Sarau Mó Limpeza e faz outras atividades culturais também. Tem também outra galera do Zé Walter que faz a Mostra Bimestral de Música. O Sabacu da Arte no Sistema com mais de três anos que a gente vem fazendo atividade junto com eles (Grupo Teruá) no Pirambu. Ali próximo à Vila do Mar, tem o Sarau da Negra Bonifácia.

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