0 Comentários
– Eu te amo!
É o que ele fala, sem dá muita importância a si mesmo.
Ela o esculacha, relembrando acontecimentos que estrangularam a relação entre os dois e desliga o telefone.
Era domingo, dia de promoção das empresas de telefonia. Ele liga novamente e novamente fala que a ama.
Ela diz que acredita e que mesmo magoada não tem nada contra ele, pelo contrário, diz até que o admira muito, só achava que não dava mais, pois o que passou já era.
Ele, mesmo sabendo que era uma figurinha repetida no álbum dos amores da moça, pede desculpas pelos equívocos cometidos e lhe promete não mais levar em conta as pequenas divergências que levaram o casal à separação.
Ela fala que sente medo, medo de se meter em uma instigante aproximação, que como nas outras vezes terminaria se tornando algo doloroso e fatigante.
Ele diz que a ama.
Ela fala que também o ama.
Ele diz que precisa vê-la.
Ela pergunta quando.
Ele propõe ver o pôr do sol na Ponte Velha, naquele mesmo dia.
Ela fala que adora o lugar, mas sabia que era uma precipitação marcar um encontro logo no local onde eles viveram maravilhosos momentos, impossíveis de não lembrar.
Ele afirma entender o receio da moça, mas lhe pergunta se aceita o convite.
Ela diz que sim.
Quando ele chegou, ela estava tomando uma das caipirinhas do Sassá, com as pernas para fora da ponte. Em seu rosto havia uma serenidade ainda não vista por ele.
Antes de sentar ao lado da moça, auxilia o Chala a acender um porronco, emprestando seu isqueiro anti-maresia. Ao sentar, entrega à moça uma fotografia do casal, tirada em uma viagem à praia do Batoque.
Uma imensa e radiante esfera de fogo… É o sol se pondo, dando espaço para a ascensão da noite.
Ela não tira os olhos do horizonte.
Ele desvia um pouco a atenção para apertar um baseado.
Eles fumam enquanto escurece.
Quando terminam de fumar, já não há mais ninguém na ponte, a não ser o próprio casal.
Eles e suas lembranças, recordações de um excelente sonho que parecia ter terminado.
Ele a pergunta se sentia a sua falta…
Ela responde que sim, mas frisa que a distância teria sido fundamental para a organização de sua cabeça.
Ele diz que as saudades que sentia chegavam a ser incontroláveis e que usou até antidepressivos para amenizar a sua dor.
Ele tenta beijá-la.
Ela vira o rosto.
Ele persiste e tenta novamente.
Ela agora permite.
E então seus corpos carentes um do outro finalmente se unem. Cada toque parece despertar a amplitude dos dois seres e contemplar a ausência da interação interrompida pelo descaso com as diferenças, agora superado pela exposição de seus sentimentos.
Eles se despem desesperadamente. Suas afinidades eram tantas que atiçam a explosão de prazeres, gerada pela afoita realização de desejos, antes retida pelo medo e pela espera. Gozaram!
O vento soprava em seus corpos nus que de repente são iluminados por um estranho clarão, que não podia ser da tímida lua e sim das lanternas de dois policiais militares que rondavam por ali.
Ela, muito mais constrangida do que ele, pois temia muito ser estuprada por aqueles policiais, suplica por tudo que há de mais sagrado para que eles não se aproximem enquanto ela se veste.
Ele, assim como ela, faz a solicitação da distância, só que não tem a mesma sorte que ela e é brutalmente jogado ao chão e açoitado pelos samangos.
Os dois pm’svéi o levam para a rádio patrulha, onde se encontrava o terceiro gambé.
Na gaiola do camburão ele, surrado e algemado, fala que a ama.
Ela, olhando para o outro lado, o manda para o inferno.
Ele, muito persistente, diz que a ama.
Ela, agora quase chorando, também diz que o ama.
Augusto Azevedo é tesoureiro do sindicato dos black blocs e perito em desarmamento de balengotengo