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Por Thiago Noronha
Quando eu era criança, eu achava que o Sol e a Chuva eram inimigos e ficavam brigando entre si.
O Sol era o mais poderoso de todos. Uma projeção de herói dourado e fortão. A Chuva era fraca, mas traiçoeira. Uma mulher bonita de cabelos brancos, vestindo trapos cinzas rasgados e escondendo punhais de prata nas dobras do tecido.
Por fatores meteorológicos da cidade onde nasci, a Chuva vinha pouco, e à noite: o sereno. Tímida, usufruindo da fraqueza noturna de seu adversário. E nunca chovia forte durante o dia, mesmo nos meses mais chuvosos. Chuva forte eram as da madrugada.
As nuvens roxas eram o exército da Mulher Cinza. Os trovões, fortes guerreiros. Os ventos eram apenas vítimas, pois esses eram amigos leais dos dias ensolarados. O sol não precisava de exércitos, matava as nuvens a espadadas flamejantes.
Os dias nublados eram os dias em que a Chuva havia derrotado o Sol. Eu odiava dias de chuva, pois significavam que o meu “super-herói” favorito tinha perdido. Mas ele estava apenas se recuperando. Voltaria com tudo. Em dias nublados as nuvens se reproduzem e tomam todo o céu. E até as pobres estrelas, que só têm a noite, vêem-se vítimas da cruel mulher sem compaixão e seu exército de corpulentos guerreiras roxas.
Se os dias nublados eram consecutivos, eu dizia que o Sol tinha sido gravemente ferido e estava demorando mais para se recuperar. Mas quando voltava, dava uma surra tão pesada na Chuva que essa, muitas vezes, não aparecia por semanas.
Aí, vi na TV que o sol estava fazendo maldades no sertão. Fiquei magoado. Traído. Torci pela Mulher Cinza. Mas foi só por um tempo.
A covardia maior vinha quando a Chuva atacava nos finais de semana. Durante a semana, o Sol tá lá, como todos os adultos, trabalhando, vigiando. No final de semana, o Sol tira a armadura, põe uma bermuda, toma uma cerveja antes do almoço, vai para a praia. Atacar o Sol nesses dias é uma puta maldade.
Aí, fui a uma missa no dia de São José. Nesse dia, todo mundo reza pela vitória da Chuva para que as plantas não morram de sede. Aí eu achava que São José sempre “descia” dia 19 de março e se juntava a Chuva para lutar contra o Sol e ajudar os humanos. Lá estava eu forçado a torcer contra o meu ídolo imaginário, novamente. E São José deve ser um grande guerreiro, porque lembro de dias chuvosos e notícias esperançosas na TV.
Uma vez choveu no casamento de uma prima do lado materno. Segundo minha mãe, choveu naquele casamento porque a noiva não tinha feito a promessa da noiva.
— O que é a promessa da noiva?
— A noiva, meses antes de casar, passa um dia inteiro numa igreja rezando para que não venha chuva no dia do casamento. E para não engordar também.
Então Deus mandava um guerreiro muito poderoso que ficava guardando aquele dia contra os ataques da chuva.
Quando a noiva tinha feito a promessa e mesmo assim chovia, é porque ela não era pura. Eu não entendi isso mas não questionei.
Hoje em dia, as mulheres, pela “impureza” geracional ou por preguiça de irem à igreja, preferem ambientes cobertos.
Aí, fui em Belém e vi que lá a Chuva havia achado um dos pontos fracos do Sol e todos os dias o derrotava no fim de tarde.
Na Irlanda, o exército de nuvens da chuva é mais resistente e forte, pensei eu aos vinte e dois.
No verão carioca, torce-se por um ataque surpresa e rápido da chuva para enfraquecer o sol, aprendi aos vinte e três.
Bom mesmo é quando o sol e a chuva brincam juntos no céu. Fazem as pazes por breves instantes. E todo o céu fica bonito. É hora de sair na rua de pés descalços e tomar banho de chuva. Pisar com força nas poças de água. Casamento de Raposa.
Essas raposas devem ser muito impuras ou nada religiosas, concluo, aos vinte e cinco.
Thiago Noronha é administrador por profissão, aventureiro de coração, escritor por diversão. Um apaixonado e propagador da própria forma de ver o mundo através de palavras. Um louco. Um bom louco!
*Publicado originalmente no “Escambau“