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(Foto: cidadaoinstigado.bandcamp.com)
Matheus Santiago
Há uma coisa acesa na trajetória do Cidadão Instigado, que completa agora 20 anos de estrada. O percurso de descobertas ao qual os integrantes se jogaram foi sem volta. Fortaleza, seu último disco,me fez pensar sobre um tanto de coisas. Desde a “vontade dentro”, cantada na faixa “É do povo” do primeiro EP, e como ela ainda pulsa; dos migrantes que se reconheceram e se enredaram no seu espaço solar; do ato de entrega envolvido na produção de arte e, acima de tudo, na sua vivência. Para este ano, o grupo prepara o lançamento em vinil de todos os seus discos e fará turnê comemorativa dos 20 anos de banda.
A escuta do álbum Fortaleza me acompanhou durante todo o ano de 2015, período em que o disco também foi lançado. “Só pra você perceber/ Que estou mais velho/ Longe de casa”. Sempre que esse trecho da canção “Besouros e Borboletas” tocava, algo me fazia olhar pro horizonte e perceber que daqui de Minas até o Ceará era muito chão. E pensar em como eu vim parar tão longe de casa e como continuo perseguindo a imagem do lugar de onde vim. Na certa, foi por causa dele que eu me lancei na estrada. Agora, entendo o que a faixa “Os Viajantes” quer dizer: “Penso todos os dias/ Num lugar melhor pra ir/ Sou um homem insistindo/ À procura da liberdade”.
Fortaleza é a viagem daqueles caras, que na adolescência tiravam onda tocando rock, em direção ao lugar que os nutriu da vontade de partir e encarar a vida artística como profissão. Depois do hiato de 6 anos sem lançar nenhum disco, o grupo cearense de rock nos apresentou Fortaleza. Durante esse tempo, os músicos, radicados em São Paulo, continuaram projetos paralelos, onde tocam com artistas da cena independente, e fizeram turnê nacional em tributo ao álbum The Dark Side of the Moon (1973), do Pink Floyd.
A sonoridade é afetada intensamente pelo flerte com a psicodelia, ou viagem interior, como queiram chamar. Todas as composições são do guitarrista e frontman, Fernando Catatau, com exceção de “Land of Light”, parceria com Rodrigo Amarante. Outra colaboração notável é a de Dado Villa-Lobos, na canção “Fortaleza”, onde o mesmo toca violão. Cidadão Instigado é Régis Damasceno, Rian Batista, Dustan Gallas, Clayton Martin (único paulista do grupo) e Fernando Catatau. Sem contar a presença importante do 6º instigado, Yuri Kalil, engenheiro de som responsável pelos timbres e sonoridades desde o início da banda.
A voz “comum” de Catatau e sua guitarra marcante emergem no álbum inteiro. Um canto, por vezes sofrido, herança do brega, se presta a falar sobre o descontrole do mundo, mas também aponta para o território das possibilidades. Fortaleza é o encontro de dois seres que se transformaram com o passar dos anos: a banda, Cidadão Instigado, e a cidade de Fortaleza. O espaço de origem se modificou pelo poder corrosivo da grana, a banda amadureceu e ganhou reconhecimento nacional. A canção “Fortaleza” parece mostrar o que esse encontro, no final das contas, significa: “Fortaleza eu te conheço/ Desde o dia em que eu nasci/ Foi-se o tempo e a esperança é tudo que eu aprendi/ Guardo tudo nas lembranças que é pra nunca desistir”.
Matheus Santiago é compositor cearense e estudante de jornalismo. Cheio das invenções. Transita entre os campos da arte, filosofia e jornalismo. Não para quieto. Mora em Mariana, MG, e vive entre o sertão e as montanhas.