Camarada plutoniano



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Ackson Dantas

Certo dia, vindo de Plutão, encontrei um de seus habitantes pertinho de um cinturão de anéis, esquina com o Buraco Negro. Ele acenou e sorriu, meio assustado, me parecia dócil. Resolvi então parar e saber se precisava de alguma ajuda. Quase imediato veio a meu encontro e ofereceu-me uma bebida. Era um copo de via láctea com farinha de poeira estelar. Eu, para fazer amizade, aceitei sem protestos. Começamos uma boa conversa, mas algo inquietava, o novo amigo queria me perguntar e estava sem coragem. Tentei de todas as formas deixá-lo à vontade, no entanto algo o impedia de me indagar sobre o que o afligia. Fui aos poucos, pelas beiradas, tentando descobrir do que se tratava, mas não conseguia arrancar nada além de papos lunares.

Depois de cinco copos, eu disse cinco? Quer dizer seis, sete… Sei lá quantos copos da tal bebida, já meio trôpego descobri que gostava de Chico Buarque; sem perder tempo começamos a cantar “De tudo que é nego torto, do mangue e do cais do porto, ela já foi namorada, o seu corpo é dos errantes…”. Interrompendo-o perguntei: Que queres tu de mim? Pergunta? Sua cara em confusão era engraçada, gargalhamos como se fosse sábado. Enfim, quase sem fôlego de tanto rir, me perguntou: Que aconteces no Brasil agora? Venho de lá, sempre me falaram das praias, mulatas,futebol, carnaval, não vi nada disso. Estou me tremendo pelas tabelas até agora, quase rolam minha cabeça numa baixela.

Meu caro amigo me perdoe por favor… Ali na terra, agora? Aaaa… É o alvoroço pós-dia cinco, vésperas do dia vinte e seis. É outubro, ROSA, nas ironias.

Vou te explicar: estas farpas, torpedos e mísseis que sobrevoam a cada milésimo de segundo – publicadas, estampadas, defendidas, parece muito mais simples, óbvio e necessário do que confirmar com o dedo uma URNA IRRESOLUTA, isso mesmo I-R-R-R-E-S-O-L-U-T-A. São duas, outrora três e um terço, malfadadas, mesquinhas e mesmíssimas campanhas eleitoreiras,corruptíveis e fascistas. Hoje representam uma polarização entre povos que em suas cabeças balões,submersos em evasivas medonhas, desaprenderam a pensar, a criticar, a criar.

E as propostas? O plano de governo? Quem tem o melhor? Ainda bem que perguntas isso a mim, se tivesses lá com eles e fizesse este tipo de pergunta, seria apedrejado igual a Geni. “Não importa! Discutimos isto depois… Agora é saber quem é melhor para apanhar, quem é melhor de cuspir!

Todos se armaram, cerraram os dentes e com cliques fulminantes na face postavam vídeos forjados, textos de gurus da hipocrisia, colagens fotográficas e holográficas deturpadoras num determinismo incomum para sujar, violentar, estuprar seu rival e oposto. Depois, na aeronave, sobrevoei o país observando as guerras travadas nas ruas, feitas de porretes e bandeiraços criando uma nuvem abismal de cores, poeira e sangue. Pessoas se matando, parecia até dois países, um do frio branco e outro do negro calor. Assustado, ainda no meu Zepelim pós-moderno, vi rios de dinheiro jorrando de túneis, aeroportos, cuecas, gasodutos… Pessoas se afogando entre malas e balas… Bíblias esmagando diversos e distintos. Padres e pastores cegos guiando os desprovidos de olhos para os abismos da alma… Uma confusão do tamanho do mundo! Esse povo tem salvação?

Verdadeiramente não sei companheiro. Chamei-o assim porque considero companheiro todos os que enxergam as coisas com clareza, mesmo que a paisagem se encontre turva e embaçada. Ele repentinamente pôs a mão no meu ombro: “A minha gente sofrida despediu-se da dor, pra ver a banda passar cantando coisas de amor…”. A música veio a calhar. Até me ofereceu um quarto de hóspede na Cratera 18, próximo ao Mar da Gota. Chamam assim a única gota d´água que habita seu planeta. Disse-me ainda que lá todos a reverenciam e protegem. Eu gentilmente agradeci, mas resolvi por não aceitar, tinha saudades dos seres terrenos e seus paradoxos. Ele sem compreender me disse: vai meu irmão pega esse avião, você tem razão de partir…

Partimos então com a sensação de uma nova amizade florescida, como um oásis, no meio do nada, pertinho do Buraco Negro, uma rosa entre rochas. Cheguei na Terra cinco dias depois, 73 graus a temperatura Brasil, me esquivei dezenas de vezes de pedras, pós brancos e foices. Neguei os partidos, os aliados e suas bases. Fechei a porta de casa e no primeiro resfolegar recebi uma mensagem do meu novo amigo: Plutão foi extinto, explodiram tudo, escapei por pouco… Contam as más línguas da Ursa Maior que os culpados estavam armados e berravam incessantemente para votar em seu candidato. Talvez irei morar no Buraco Negro, acho que no vácuo eterno estarei livre dos seus humanos.

Bons sóis camarada!

Ackson Dantas é ator, poeta e escreve no mundo entrelinhas e verdades não postas na mesa. “Meu banquete é farto, tenho fome de verbos!”


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