Bruxas



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(Ilustração: Juliana Lima)

“Yo no creo en brujas,
pero que las hay,
las hay”.
(Dom Quixote – Miguel de Cervantes)

É que Ana não acredita. Só por isso vou contar.

Ana não acredita em bruxas, muito menos em ciganas. Na verdade, Ana não acredita no poder além que podemos ter. Mas nesse caso, vou concentrar essa impossibilidade em figuras específicas, então Ana não acredita nem em bruxas, nem em ciganas.

A questão é que uma cigana cruzou o caminho dela, em uma tarde de sexta. Ana estava indo para a terapia, de carona com um amigo. Pararam no meio da rua para que ele jogasse algumas caixas e sacolas fora – e quem mora nessa cidade sabe o quão difícil é achar uma lixeira. Pois bem, nesse pequeno intervalo de tempo, uma mulher aparece na janela do carro e diz que eles formam um casal bonito. Os dois riem. Ana brinca respondendo que “é verdade”. A cigana falou do futuro, desejou vida longa ao desejo-ficção dos dois, pegou cinco reais, segurou firme em sua mão e seguiu a jornada.

A partir de então, toda vez que seu amigo falava algo, ela não conseguia mais olhar em seus olhos. De uma maneira completamente indiscreta para os nossos moldes apertados, Ana só olhava para a sua boca. O modo como, de quando em quando, ele passava a língua entre os lábios, como cada lábio ficava fininho quando ele abria um sorriso e logo depois voltava à volúpia da inércia; o semi-bico que ele fez quando percebeu que Ana encarava sua boca.

Ana me contou – mas não contem nada por que foi em confiança, sabe como é…

Começou a sentir um calor úmido entre as pernas. “Olha no olho dele”, ela repetia pra si mesma, em uma tentativa de autocontrole. Conseguiu. Mas aí ela percebeu que olhar no olho também endurecia cada centímetro do seu peito, deixando a pele arrepiada.

“O autocontrole funcionou em algum momento?”, questionei.

“Funcionou”, ela disse. Sorriu um pouco e completou meio tímida, meio atrevida: “Só na hora de controlar o ritmo da chupada”.

Ana não acredita em bruxas, muito menos em ciganas. Mas o fato é que Ana só se viu e se projetou naquela possibilidade concretamente depois da moça na janela do carro dizer aquilo. Se elas existem, talvez tenham uma parcela de culpa no processo de Ana enxergar desejo onde só havia abraços; talvez a ajudaram a aprender, em uma tarde de sexta, que o autocontrole também pode ser usado para durar o gozo, não só para impedir os impulsos.

Remarcou a terapia. Encontrou outra poltrona. Em vez de choro, suor.

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Joana Borges é historiadora, acredita em luta de classes, mas não acha astrologia besteira


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