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DESABAMENTO
O pergaminho que recobre meu corpo
tem tantas histórias para contar.
Narrativas epidérmicas
de outro tempo
e lugar.
Através dos olhos da criança sedenta
uma paisagem
(em sépia
e magenta)
se descortinava escancarada.
Agora,
eu a escondi tão bem guardada
que quase não pode mais
ser evocada.
Ah, os contos,
cantos,
prantos
e gemidos
das madrugadas…
As promessas,
habitantes hesitantes
do rascunho chamado vida.
Tanta dor desperdiçada.
Tantas paradas
e retornos
ao longo da estrada.
O piso desta casa abandonada geme ante o peso dos meus passos.
Passeio em mim
sem nós
ou laços.
É assim
o fim?
Se foi,
desabou em mim de repente.
Não deixou pista,
nem traço;
só um gosto triste
nos versos que,
insistentemente,
ainda faço.
GHOST STORY — I
És ainda o meu fantasma-abrigo.
Escuta o que te digo:
Não me causas mais espanto
(nem pranto).
No entanto,
assim,
juntos,
ganhamos a madrugada.
Velozes,
seguimos
até a alvorada.
Meus dedos gastos
e nodosos
entrelaçados aos teus;
impalpáveis,
perigosos.
Nossos prováveis
jazem nas canções.
(Ah, o quanto podem
as canções!)
Tanto elas me enlevam
(e elevam!)
para,
logo depois,
me devolverem ao chão
duro
e sem ilusão
de nós dois.
GHOST STORY — II
Hoje caminhei de mãos dadas
com o teu fantasma.
A tarde já não mais me assustou.
No entanto,
quase liberto do teu viscoso encanto,
pensei:
“quanto te custou
minha alma atormentada
e embalada para presente?”
Essa mesma alma
que agora,
tempestade ausente,
recuperei?
O vento soprava forte,
enquanto uma canção sussurrava em meu ouvido:
“duvido
que isso ainda importe.”
NA CIDADE ABSURDA
Hoje
amaldiçoei novamente o vil verão
que te trouxe de volta.
Para que tu ainda existas,
insisto
na mais triste das canções.
E tenho cá minhas razões:
a ferida na perna cansada
torna mais vívida
a caminhada.
Por isso,
na galeria imponderável
do “poderia”,
teu lugar permanece.
(Agora,
nesta cidade absurda,
regada a nuvens espessas
de frágil e inútil poesia,
simplesmente,
anoitece.)
CRÔNICA DO MENINO ASSUSTADO
Talvez não faça diferença.
Silêncio,
presença
ausência…
Ainda restará por algum tempo
o calor daqueles pés pisando no meu peito,
ao invés do encaixe
imperfeito
das nossas sombras ousadas
formando uma outra miragem.
Falsa felicidade
projetada
(meio fato, meio imagem)
contra a parede lisa;
e a incômoda brisa
do ventilador
a chicotear-me as costas.
Ela gosta
desse jogo perigoso.
Gargalha,
e esse som malicioso
preenche tudo ao redor;
inclusive a promessa vazia
que teimamos em batizar
de amor.
“Pronto para mais uma dose
de dor,
menino assustado?”
Não,
muito obrigado.
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