Berrando Poesia: Marcos Mamuth



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(Ilustração: Levi Noli/Revista Berro)

 

DESABAMENTO

 

O pergaminho que recobre meu corpo

tem tantas histórias para contar.

Narrativas epidérmicas

de outro tempo

e lugar.

 

Através dos olhos da criança sedenta

uma paisagem

(em sépia

e magenta)

se descortinava  escancarada.

Agora,

eu a escondi tão bem guardada

que quase não pode mais 

ser evocada. 

 

Ah, os contos,

cantos,

prantos 

e gemidos

das madrugadas…

As promessas, 

habitantes hesitantes 

do rascunho chamado vida.

 

Tanta dor desperdiçada.

Tantas paradas

e retornos

ao longo da estrada.  

 

O piso desta casa abandonada geme ante o  peso dos meus passos.

Passeio em mim

sem nós

ou laços.

 

É assim

o fim?

Se foi,

desabou em mim de repente.

Não deixou pista,

nem traço;

só um gosto triste

nos versos que,  

insistentemente,

ainda faço.  

 

 

GHOST STORY — I

 

És ainda o meu fantasma-abrigo.

Escuta o que te digo:

Não me causas mais espanto

(nem pranto).

No entanto, 

assim,

juntos,

ganhamos a madrugada.

 

 

Velozes,

seguimos

até a alvorada.

Meus dedos gastos

e nodosos

entrelaçados aos teus;

impalpáveis,  

perigosos.

 

 

Nossos prováveis

jazem nas canções.

(Ah, o quanto podem 

as canções!)

Tanto elas me enlevam

(e elevam!)

para, 

logo depois,

me devolverem ao chão

duro

e sem ilusão

de nós dois.

 

 

GHOST STORY — II

 

Hoje caminhei de mãos dadas

com o teu fantasma. 

A tarde já não mais me assustou.

 

 

No entanto, 

quase liberto do teu viscoso encanto,

pensei: 

“quanto te custou

minha alma atormentada 

e embalada para presente?”

Essa mesma alma

que agora,

tempestade ausente,  

recuperei?

 

 

O vento soprava forte,

enquanto uma canção sussurrava em meu ouvido:

“duvido

que isso ainda importe.” 

 

 

NA CIDADE ABSURDA

 

Hoje

amaldiçoei novamente o vil verão

que te trouxe de volta.

 

 

Para que tu ainda existas,

insisto 

na mais triste das canções.

E tenho cá minhas razões: 

a ferida na perna cansada

torna mais vívida 

a caminhada.  

 

 

Por isso,

na  galeria imponderável 

do “poderia”,

teu lugar permanece.

 

 

(Agora,

nesta cidade absurda,

regada a nuvens espessas

de frágil e inútil poesia,

simplesmente,

anoitece.)

 

 

CRÔNICA DO MENINO ASSUSTADO

 

Talvez não faça diferença. 

Silêncio, 

presença

ausência…

 

 

Ainda restará por algum tempo

o calor daqueles pés pisando no meu peito,

ao invés do encaixe 

imperfeito

das nossas sombras ousadas

formando uma outra miragem.

 

 

Falsa felicidade 

projetada

(meio fato, meio imagem)

contra  a parede lisa;

e a incômoda brisa 

do ventilador

a chicotear-me as costas.

 

 

Ela  gosta

desse jogo perigoso.

Gargalha,

e esse som malicioso 

preenche tudo ao redor;

inclusive a promessa vazia

que teimamos em batizar

de amor.

 

 

“Pronto para mais uma dose

de dor,

menino assustado?”

 

 

Não,

muito obrigado. 

 

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