Antes aqui do que longe de mim



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(Ilustração: Levi Noli/Revista Berro)

Eu abri os olhos. O meu cérebro mandava sinais para que meu braço se levantasse, mas nada acontecia. Eu sentia o sangue borbulhar nas minhas veias. Estava só dormente, morno, inativo, devagar, desativado, reiniciando. Ele havia segurado todo meu peso enquanto eu havia sonhado que era abraçada. Calorosamente. Por estranhos. O que é engraçado porque nunca gostei de contato físico nem daqueles que eu amo, que dirá estranhos. Mas nesse sonho foi diferente, eu me sentia vista e amada por nada. Quer dizer, não tive que fazer nada mínimo ou máximo para merecer aquele afeto, que era só puramente amoroso. Eu sonhei que estava em um lugar seguro e de forma calma e pacífica eu sabia que não havia mais intimidadoras visitas, nem esbarrões fortes sedentos de quedas. Eu não precisava lutar mais por nada, não precisava correr para provar meu valor, não precisava aborrecer as pessoas com meu grito por vida. Esse velho e cansativo grito para provar que estou aqui. Grito que dou a mim mesma todas as manhãs implorando a mim mesma por favor não desista e exista. Repetição rouca e autoconsciente de que preciso lutar pela realidade da qual quero estar. Ontem de noite percebi que sou incapaz de fingir, que se eu não puder ser quem eu sou verdadeiramente prefiro não ser nada. O problema é que quem eu sou não é de interesse do mundo e eu temo ser incapaz de me transformar em outro alguém mais lucrativo. Pensando bem não me lembro da última vez que fui abraçada. Abraçada assim, livremente. Por honesta demonstração de algo positivo e reconfortante. Sem grandes burocracias antes, sem textos ou discursos, sem desculpas, sem pedidos, sem intenções, só abraçada e amada. Por nada. De graça. Talvez isso nunca tenha acontecido e jamais irá acontecer. Parece tão ilusório que chega a um ponto de ser encontrado como falso no raciocínio por si só. Crianças (acolhidas pelo acaso que se aproxima de um conceito de sorte) pensam no amor como algo próximo quase como que um terceiro responsável, e é aí que se encontra o fim da infância e início da expansão da vida: Um dia (do qual passará despercebido) você acorda e percebe que não importa quem você seja, o que você fez, faz ou fizer, você sinceramente e francamente por mais que queira não pode forçar ninguém a gostar de você e muito menos amar você. O amor se torna distante, inalcançável. O amor se torna fatigante, como um contrato, aquela velha assinatura que aqueles que vieram antes de você deram na sua certidão de nascimento. Te amaremos, te amaremos, te amaremos, com algumas vírgulas, mas amaremos. E certo, o amor não é para ser perfeito. É só para existir. Antes aqui do que lá. Antes aqui do que distante de mim. Né?

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Vitória Gabriela tem 20 anos. Nascida em São Paulo, filha de pais baianos, escreve desde a infância e atualmente além de possuir material disponibilizado on-line, participou das antologias Alma em Letras (Editora Exílio do Jaguar) e  Poesia Viva 2022 (Coletivo Fomento Literário).


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