Amores



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(Pintura: “Dança Com Véu”, Telma Weber)

Nagle Melo

“Belezas são coisas acesas por dentro; tristezas são belezas apagadas pelo sofrimento.” Sempre que ouvia Jorge Mautner, sentia que a saudade se apresentava sedutora à sua frente. Por sua vez, ela então estendia a mão e sorria convidando-a para dançar. Eva levantou, deixou o caderno de desejos escritos em cima do sofá e se posicionou timidamente à frente dela procurando aconchego. Começaram a dançar. Pouco importava o ritmo ou as pernas bambas. O que se configurava eram apenas sentimentos que iam crescendo a ponto de toma-lá de pura emoção, fazendo escorrer lágrimas. Salgadas e quentes.

Era levada por uma delicadeza raramente sentida. Quando o violino entrava na melodia, sozinho, Eva percorria um a um seus amores inventados. Nenhum platônico. Inventava porque quando pequena era a sua brincadeira preferida (e parece que na idade adulta também). Serão estas invenções os desejos de Eva?

A cada sensação lembrada algo era reinventado. Como se fosse realizada uma limpeza de alguns aspectos enquanto que outros eram lapidados, adquirindo uma curva ou outro jeito de ser.

A saudade apertava, outras vezes acariciava e ficava brincando com ela, como num “morde – assopra”. Sentia prazer intenso nos dois sentimentos: dor e alívio. Mas neste momento, especificamente, só sentia bem forte a saudade.

A mão descia lentamente até as suas coxas e alguns apertos a fizeram sorrir. Os olhos eram brincantes e ela se enxergava nas pupilas dilatadas de tesão! Sentia que seus desejos escorriam cachoeira abaixo, molhando-a por inteira. Abria os olhos e via que continuava ali, dançando com a saudade.

Por mais que houvesse um gozo naquilo que refrescava sua memória, quando a música trocava, a memória mudava. Agora, perto do mar, o abraço a enlaçava devagarzinho, até tomá-la por completo, com carinho. Tinha poesia, cores, violão, certa leveza. Mas havia também um peso, ou melhor, um sentido ou uma razão de ser, dando consistência à memória que se apresentava. Ela respirou fundo e sentiu a brisa de um amor que vai e volta, feito as ondas do mar.

Uma intensidade conhecida por Eva a arrebatava e a lembrança da lua vermelha que queimou os corpos naquele dia subia céu adentro. Dentro da sua alma. Atravessando quem era e quem deixava de ser.

O blues chegava e tomava conta do seu ambiente de inspiração no domingo que ela aproveitava, mesmo desconfiando de sua solitude. Da saudade que fazia parte do seu ser e a constituía. Um dia de cada vez. Um amor depois do outro. Um amor atravessando outro, muros, ideais e ideias de seu romantismo bobo, de menina.

As memórias, com o tempo, adquiriam cores e formas diferentes daquelas que já foram um dia. Portanto, a dança com a saudade era sempre única, exclusiva. E quando a música parava de tocar, Eva era sempre outra. Infinita.

Nagle Melo é psicóloga, amante do ócio e escreve o que seu coração grita


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